Se uma despedida tem tristeza como tonalidade possível, em se tratando de ir ou sair de Cuba essa tristeza se multiplica por si vezes e vezes. Eu sempre tento esconder bem escondida a grande dúvida, mas ela salta dos lugares mais inesperados, se insistindo nos transeuntes, no vidro do carro, nas chamadas do aeroporto: será que algum dia nos voltamos a ver?
A minha primeira despedida cubana foi assim, mas ali a dúvida pendia mais pra certeza de que nunca mais. Eu e Demis saímos andando para direções opostas na Paseo com 23, esquina em que nos abraçamos pelo que supúnhamos ser a última vez. E que não foi, vide esse mesmíssimo blog, rebento do rebento. Mas então não sabíamos disso, e seguimos cada um na sua direção, sem olhar pra trás pra saber se o outro também tinha lágrimas nos olhos.
E muito tempo e tanta palavra e instante e decisão se passou, e eis que hoje me vi voltando mais uma vez do aeroporto para trânsitos cubanos. Dessa vez, Eva, mãe do Demis, voltando pra Cuba de uma estada aqui em casa de cinco meses. Sua primeira vez fora de seu país.
Cinco meses. Benjamin tem quase seis. Sim, ela chegou quando ele tinha um mês e quatro dias. No meio daquele turbilhão que significa a chegada de uma pessoa ao mundo. Bem quando eu me procurava nos meus gestos como a Natalia-mãe que ainda estava descobrindo. Justo quando não saber era dolorido e vergonhoso e me chamava desde o meu mais íntimo. E então, no começo, a sua presença aqui me foi absurdamente difícil.
Foi necessário paciência e muito boa vontade de todos dessa casa. E no começo Eva tampouco se achava – era visível no olhar marejado que pedia licença o tempo todo. Mas ela foi se habituando aos cantos e achando as brechas que os dias lhe davam, e conhecendo os caminhos e os limites, e tudo foi se ajeitando. Enquanto ela se tornava a maior leitora da casa (ela, que tinha lido pouquíssimos livros antes de sua chegada), a maior andarilha (ela, que passava semanas a fio sem descer as escadas de sua casa em Havana) e a maior cinéfila (ela, que havia dez anos não ia ao cinema), ajudou aqui em casa como eu nem sabia ser possível. Muito leite do Benjamin veio da comida que ela cozinhou. Muita daquela paz de se ver a casa arrumada veio da mania dela de pôr tudo em ordem. Muito do que pude fazer – voltar a trabalhar, tomar banho tranqüila, cortar o cabelo... – veio do que me possibilitou sua presença.
Claro, houve horas terríveis, de querer espaço, de querer silêncio, de querer solidão. Horas de sentir que o limite já tinha passado. Horas de brigar, horas de chorar. Horas de querer ficar sozinha com Benjamin. Horas de querer ficar com Demis e Benjamin. Nós três. Mas eu sabia que as despedidas cubanas levam às últimas conseqüências o não sermos senhores das nossas vidas. E sabia que quando ela fosse embora a gente não poderia dizer quando ela e seu filho se encontrariam de novo. Ou se quando ela e seu neto se encontrassem, ele já estaria falando ou correndo.
E hoje foi o dia em que ela voltou pra sua ilha. E quando nos percebi indo em direção ao carro, Benjamin, Demis e eu, chorei uma tristeza muito triste e aliviada. Muito agradecida também. E feliz. Assim, bem misturado, incoerente, vivo.
Sua ausência ainda grita por aqui. A janela estranha a falta do seu olhar, e o colchão se esburacou a pedido de seus dias. Mas o silêncio tem trezentas camadas, e eu as escuto uma a uma. Escute: