Mostrando postagens com marcador Recuerdos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Recuerdos. Mostrar todas as postagens

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A volta – curtas

Eis que, depois de cumpridas as tarefas internáuticas, resolvo dar uma passada aqui no leite e prosa e vejo o numerozinho lá embaixo: 10015. Tudo isso de visitas e eu, terrível anfitriã, nem pra perceber que as 10000 se acercavam. Completo abandono.

E não é falta de assunto, porque muito aconteceu enquanto durou o silêncio:

***

Demis e eu completamos cinco anos de conhecença. Cinco anos desde aquele dia em que o vi sentado, falando, e pensei: cara interessante. E quando ele se levantou: ah, mas é muito baixinho. ã-hã.

***

Fiz aniversário. Meu primeiro depois de mãe. 30.

***

Demis viajou. Fiquei seis dias sozinha com o Benjamín. Sobrevivemos.


***

Voltei a trabalhar. Quer dizer, voltei outra vez, porque tem sido uma volta em etapas. Cada uma mais difícil que a outra. Dificuldades que se sobrepõem, sem que a anterior tenha se resolvido.
Dureza.

***

Será que falo de cada um desses assuntos com a devida dedicação nos próximos dias, ou fica pra próxima vez que eu e o Demis fizermos cinco anos de conhecença?

***

Descobri.
O problema não é que passa rápido.
O problema é que passa.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

2010

Olho pra esses números aí em cima e pra página branca e de repente voltei à carteira da sala de aula de algum dos meus primeiros anos de escola, quando em idade era mais próxima de meu filho que de mim mesma hoje. Mais precisamente à pergunta que a professora nos tinha proposto: o que você estará fazendo no ano 2000?

Do recolhido do vasto dos meus sonhos anteriores, toda a inocência de quem tem um universo pra inventar como futuro. Escritora, médica, mãe, esposa... namorada, astronauta, motorista de um carro qualquer, universitária... Adulta!

E já se passaram dez anos do ano que significava pra mim o futuro. Estou no futuro do meu futuro de criança!, e ele incrivelmente me parece tão presente, tão natural e simples, que chego a me sentir em dívida com aquela que, lápis na boca, olhando pro teto da classe, via tanta magia nos dias vindouros. Por mais que os atuais tenham pinceladas de cada uma das possibilidades que eu me sonhava.

E aí... Olho pro meu filho. Ele dorme, ou ele brinca, ou ele se arrasta feito cobrinha pelo chão da casa. Ele sorri, ele gargalha, e o significado de cada coisa que me tornei é sublinhado na melodia que irrompeu da pausa do som de sua felicidade, ali no fôlego necessário pra   que a próxima gargalhada aconteça.

(É necessário apenas um instante pra dar sentido a toda uma vida.)

E 2010, o futuro do futuro, passou.

Foi o ano em que me tornei mãe. O ano em que comecei a sonhar os sonhos de outro futuro. Através do gesto de olhar, e de amar, e de, mirando o possível do impossível, ir ao mesmo tempo pros próximos tempos e pro meu tempo que já foi, com absoluta gratidão a cada um dos segundos que, do agora, se organizam no caminho que converge ao que sou.

E então posso sorrir pra menina que escrevia do futuro longínquo no caderno.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Agradecimento (ou das delícias de se ter um blog)

Flávia,

Um dia você me disse assim num comentário:

“pode ter certeza que o leite e prosa, daqui um tempo, te traerá lembranças maravilhosas, é uma delícia reler sobre as tantas formas desse "tanto amar". prometo!”

Promessa cumprida. A começar pelo seu presente de aniversário ao Astronauta, que incluiu da maneira mais bela quem quisesse se achegar em desejo, e que eu vi um monte de vezes e mostrei pra quem passasse por aqui, me emocionando em cada uma delas. Obrigada, obrigada, obrigada por aquele calorzinho que a gente sente quando vê uma coisa tão bonita que faz tudo se encaixar, e sem conseguir conter, deixa escapar juntos sorriso e lágrima.

Daí, agradeço a existência deste mesmo leite e prosa, que tem sido ponte pra um monte de cantos do mundo e inclusive pra cá dentro. Sim, Flávia, o tempo da escrita proporciona lembranças maravilhosas e às vezes chega mesmo a ser a primeira manifestação de que algo se recordará.

E como canto que se canta junto, o escrever desse incrível montão de mães se une em coro, dando, com a voz de uma, mais dizer à voz de cada outra. Sem falar nas mães que a blogosfera aproximou tanto que até parecem amigas de outros tempos... ou no amparo sutil que me acolheu ontem durante a primeira grande febre do Benjamín, quando palavras me chegavam pássaras vindas das mães que também já arderam suas mãos na testa do filho. Ou ainda na voz que se faz minha enquanto inauguro a lembrança, transformando-a no dizer que em seguida se despede dizendo: até mais, Natalia, até o futuro, quando eu, saudosa, vier me visitar, ou quando Benjamín se voltar pra cá à procura de seus primeiros dias...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Paul, Benja; Benja, Paul!


Benjamín,

Há alguns já muitos anos, quando a mamãe era ainda uma menina, ela descobriu um CD na casa do vô Tuta e da vó Clá, onde ela morava. Naquela época, o vô Tuta e a vó Clá viviam numa mesma casa porque ainda não tinham escolhido viver suas vidas cada um do seu jeito, e as pessoas estavam começando a escutar CDs, que são umas rodelas brilhantes que vêm numa capa de plástico e que a gente coloca num aparelho específico pra escutar música. Aqui na sala da nossa casa tem um monte de CDs, mas quando você estiver maior eu não sei se eles ainda vão existir ou se você vai se lembrar deles, mesmo adorando, hoje em dia, morder aquelas coloridas capas de plástico. Mas como a mamãe ia dizendo, ainda menina ela descobriu um CD que foi o primeiro encantamento musical da sua vida. Past Masters volume II, era o nome dele, e a mamãe deitava no sofá ao lado do único toca CDs da casa e ouvia, ouvia, ouvia deliciada, uma vez, outra vez, e outra, até adormecer. Aquelas músicas eram tão perfeitas que a mamãe se surpreendeu quando descobriu que havia outros discos dos mesmos caras, e tão incríveis quanto. Os discos vieram antes dos CDs, Benja, e quando você for maior, esses sim você só deve encontrar em museu. Mas escutando disco, ou CD ou até arquivo a mamãe se surpreendeu com eles ainda um monte de vezes ao longo das suas épocas, e continuou surpresa quando percebeu que eles tinham mesmo músicas pra todo tipo de momento da vida de uma pessoa, como uma bíblia musical espalhada no tempo através de acordes musicais, ritmo e palavras. Bíblia, Benja, no sentido de algo que contém significados muito importantes e que podem eternamente se revelar, esconder e renovar (como aquele livro que a mamãe abraçou ao acabar de ler chamado Grande Sertão: Veredas). Então a juventude toda da mamãe foi marcada por diferentes músicas daqueles quatro caras, e sempre que ela escuta algumas delas, se emociona e às vezes até chora de saudade. Porque a mamãe tem hoje 29 anos, Benja, mas uma nostalgia de quem tivesse 83. E também porque sabe que aquelas músicas foram importantes pra muita gente que veio antes dela, como o vô Tuta, a vó Clá e todos os amigos que eles tinham antes. E sabe que é cada vez mais difícil as coisas durarem, principalmente a ponto de atravessar gerações, e quando isso acontece, existe a chance da coisa ser muito, muito boa.
Hoje a mamãe passou o dia todo muito cansada, você deve ter percebido, mas foi por um motivo que valeu a pena. É que ontem ela dormiu tarde e muito alegre. Ontem, ela teve o privilégio de escutar um daqueles quatro caras tocando e cantando na frente dela (mesmo que pequenininho, lá longe), e ela gritou, cantou, dançou, pulou e se emocionou um montão. E enquanto a mamãe nascia, crescia e ia se emocionando com as músicas daqueles quatro, o tempo passava praquele ali de ontem também, e então ali no palco quem estava era já um senhor. Sir Paul. Pros outros três o tempo também passou; pra dois deles o tempo passou tanto que terminou e eles morreram. Isso acontece com todo mundo um dia, meu Benja, e talvez seja por isso que muita gente tentava filmar ou fotografar aquele senhor cantando ao invés de simplesmente curtir ele ali, porque é muito difícil, filho, aceitar que a vida são só esses instantes que acabam, irrecuperáveis e irreprodutíveis, como que anunciando diariamente a morte futura de cada um. E é nesses instantezinhos que a gente tem a oportunidade de dobrar o tempo e se encontrar com outros destinos que a gente sonhava noutros dias, como na música que sir Paul cantava praquele mar de gente, que cantava e pulava junto, quando a mamãe, também cantando e pulando, voltou pro sofá ao lado do toca CDs onde ela descobriu, anos antes, aquela mesma melodia, e reviu através de um arrepio cada momento que separava o sofá que não existe mais do pulo que ela pulava agora. E a mamãe achou um barato, do lado dela, cantando de cor todas as músicas, uns meninos com pouco mais que a idade dela quando descobriu aquele CD, e imaginou que barato maior ainda pros ainda mais velhos que viam a mamãe, os meninos e toda aquela gente cantando de cor as músicas que trilharam a juventude deles. Como eu disse, Benja, pra uma coisa durar assim e atravessar gerações, modas e tecnologias, alguma coisa de muito especial ela tem. E tinha ainda lá ontem à noite, mesmo a mamãe não conseguindo evitar de pensar que difícil deve ser a vida do Sir Paul, que em nome da juventude de todo aquele mar de gente teve que ficar aprisionado na sua própria. Mas isso não é problema, Benja, porque in the end the love you take is equal to the love you makeE aí a mamãe entende duas coisas: o amor que se recebe é igual, como numa equação, ao que se faz; e o amor que se recebe é, ele mesmo, o que se dá.
Tá vendo, meu Benjamín, meu amor?

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A eternidade desdentada

Estávamos os três no parque uma tarde dessas quando a luz que chegava até nós, toda enzebrada das plantas que atravessava, iluminou não só o que acontecia ali, mas também outros tempos.

Era uma tarde fria, e os sorrisos agasalhados do Benjamín, sentadinho no chão, rodeado de árvores, me trouxeram abrupta uma sensação que mesclava conforto e desconforto. O primeiro, por vê-lo ali, perto de nós, todos os três brincando juntos, numa alegria que só poderia mesmo acontecer à tarde. E o segundo, um desconforto almofadado, dor que aconchega: uma saudade de outros tempos. Porque seu sorriso banguela me arremessou numa foto desdentada pendurada há anos no porta-retrato; meu próprio sorriso de bebê era quem sorria o mesmo sorriso do meu filho, tão potente na sua singeleza que abre até os portais do tempo.

Naquele instante, eu não me via apenas mãe de Benjamín; eu me devia aquele momento à criança que fui, cruzando gerações e inventando eternidades. Ele continuava sorrindo, trazendo momento a momento o que fui no feliz que sua boca anunciava.

E, continuando a sorrir, singelamente trazia, também, seu adulto futuro. Trazia no aberto da boca o sorriso de seu filho, meu neto, através do olhar que também o olhará sorrindo, sorrindo. E assim nos encontraríamos todos, os que somos, os que fomos e os que seremos, no repetir-se dum sorriso de criança, capaz de condensar tempos num sempre eterno agora.

Eu chorava sem acordes na tarde fria, sem lágrimas, atônita diante da disposição generosa daquele milagre, e sorria ainda o mesmo sorriso de 29 anos atrás. Que se repetirá quando eu for novamente desdentada, exibindo nas gengivas banguelas todos os sorrisos de uma vida.

***

(Devo a percepção deste milagre ao tempo de agora, fins de ano, que sempre me põem num molhado de viver, e a outro adorável intruso que, anunciado ali, se trouxe também pra cá.)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O convite de casamento

Depois de achar aqui que não poderia escrever como eu e Demis nos conhecemos, percebi que de alguma forma já tinha escrito. Nosso convite de casamento foi um cordel com nossa história (bom, pelo menos uma versão!), impresso em forma de livrinho mesmo, em papel colorido, com ilustrações e tudo.

Não poderia ter sido outro.

Cada “capítulo” ia em uma página, com uma ilustração (feita pela Mari Simas, arquiteta mais querida do Brasil e idealizadora do proprio cordel) na página do lado.

Olha o texto dele aí, ó:

Cordel-convite: A afortunada historia da brasileira e do cubano e como isso deu em casamento

ILHA
Vou lhes contar uma história
Que é difícil acreditá
Da brasileira e o cubano
Que atravessaram o mar

Motivação da travessia
Foi em nome de gostá
Naná inda nem sabia
O que tava pra encontrá

Quando saiu daqui pra ilha
Num vislumbrou o que ia sê
Andando por sem trilha
Deu de cara com Dedê

Três dias suficiente
Pro destino tecê
Com adeus de nunca mais
Voltariam a se vê?

APUNTALADOS
Dedê que num dormia
Vivia a caminhá
No empoeirado novo do dia
E na saudade de Naná

Ela nos dias de vida
Horas de se sempre sabê
Recebia coisa escrevida
E era do tal do Dedê

Antes todinha de dúvida
Resolveu o incerto encará
Dedê recebeu de visita
De novo na ilha Naná

Mais dias de conhecença
Puderam se agraciá
De rio, café e aliança
Que se iriam de novo encontrá

PASSAPORTE
Começaram então um trabalho
Longo de qualquer um cansá
O esforço era bom pois sabiam
Que era pra podê se juntá

Os amigos entraram na história
Pra mor de poder ajudá
Alê ajuntou com Auro
Pros mil papel assiná

Naná ansiava diário
A lonjura se aproximá
Chats evocou os santos
Pra visa de ouro apressá

Até que enfim, reluzente
O carimbo da permissão
Dedê abraçou sua gente
E partiu com dois coração

AVIÃO-PÁSSARO
Era seis, mas cabou sendo dez
Que o tempo quis escrever
Agosto foi o mês da vez
Desse encontro acontecê

Logo no continente
Dedê num pôde escolhê
Urgente corinthiano
E ele assim soube sê

Viagem num foi pra ele
Em nela fez novo crescê
Como convite de sol
Sua cidade enfim conhecê

No começo a idéiaseis mês
Num bastou pra vontade morrê
Dedê e Naná teve mais
É querê pra fazê

JANELA DE CASA
Aprendê a fazê feijão
E a casinha arrumá
Dividindo o mesmo colchão
No mesmo teto morá

Que Nana e Dedê decidiu
O vida-a-vida gozá
A saga que se cumpriu
E tende a continuá

De sempre pequeno em pequeno
O grande assim acontece
Amor é contraveneno
Amanhece também anoitece

No encontro de todo dia
Dificultoso aprendê
O junto que desafia
E inda mais qué crescê

CALENDÁRIO-DÚVIDA
E de tempo cismá em passá
Mais de ano correu
Eles num qué chegá
No quando o visto venceu

Em Dedê saudade aperta
Meple, sua gente, família
Sente janela aberta
De sonho a eterna Ilha

Mas o junto daquela Naná
No aconchego de cada uma noite
Convida mais a ficá
Fazê da saudadeponte

Os homens faz um dilema
Precisa papel pra ficá
Num é papel de poema
É o outro, o de casá

CASAMENTO
Mas casório também é poema
Se é feito de celebrá
União dos que sabe tá junto
Sem nem papel precisá

E nessa hora da história
Você virô personagem
É ontem, sempre e agora
Que recebe essa mensagem

Mesmo ausente no dito
É incluído da vida
De Naná e Dedê, no bonito
Que então a você convida

Preste bem atenção
Na página que vem depois
É hora da celebração
Da história daqueles dois!

NATALIA E DEMIS CONVIDAM PARA A CELEBRAÇÃO DE SEU CASAMENTO

Dia 07 de Fevereiro de 2009, às 20 horas, no...

E a cara:




domingo, 3 de outubro de 2010

Relato de viagem - parte III: grávida em Barcelona

E então, depois de uma estadia espinhosa em Paris consolada por outra no aconchego da irmã em Rotterdam, era hora de seguir viagem outra vez. Só que Barcelona, o destino escolhido com alegria naquele remoto dia em que comprei a passagem (e ainda não sabia que estava grávida), ao invés daquele cidade colorida e festeira que eu sempre tinha querido conhecer, havia se transformado numa gigante interrogação. Eu não tinha nem onde ficar nem conhecia ninguém que fosse próximo. E de interrogações, já bastavam as da própria gravidez.

Tentei mudar o itinerário para passar todos os dias que restavam da viagem com minha irmã, mas a taxa era tão alta que não valia a pena. Juntei, então, o que consegui encontrar de coragem e fui, tendo reservado antes um albergue que parecia perto do aeroporto onde eu chegaria.

Pausa para contar brevemente do dia que passei em Bruxelas com Verinha, regado a boa conversa e abraço daqueles. Parecia que estar em casa (ela) fora de casa (e para isso são os amigos) tornava a sua visão ainda mais familiar, querida e necessária. Foi Verinha quem me acompanhou ao aeroporto num trajeto emocionante de quase perder o vôo. E agora vejo: é muito bom ter de quem se despedir. Obrigada, Verinha, pelo dia e pelo abraço.

À noite do dia em que saí de Rotterdam, depois de passar por Bruxelas, cheguei em Barcelona. Com medo e encolhida. Querendo cuidar da minha barriga e nada mais.

Peguei um taxi pro albergue que havia reservado, mas a reserva havia sido completamente desconsiderada e o amável e delicado administrador daquela espelunca casa me enxotou pro outro albergue deles em plena Rambla, em plena noite, eu, a barriga e a mochila, a pé. Um americano simpático havia sido enxotado também, e fomos juntos, eu falando amenidades pra num cair no berreiro, ele se oferecendo pra levar minha mochila, o que teria aceitado se a dele já não fosse maior que ele próprio.

Escrevi, na manhã seguinte: A pior noite da história. Barulho dentro do quarto, barulho da rua, calor, cama ruim, pessoas entrando e saindo, gente roncando, caminhões passando lá fora, gente gritando aqui e lá... Queria chorar e não tinha onde pudesse estar SOZINHA. Decidi ir prum hotel. Hoje, acabada, meio zumbi andando pelas ruas (devo ter dormido no máximo, com muito otimismo, umas duas horas)...

Esse tipo de perrengue, que em outras circunstâncias seria normal, não combina nada com gravidez. Nada. Muito menos com quase três meses, e muito menos sozinha. No dia seguinte, chegando ao hotel, me esparramei na cama e fiquei ali, curtindo o conforto, o silêncio, o banho. Curtindo a barriga que despontava. Sentindo o tanto de saudade, companheira fiel.

Poucos dias depois, porque boa companhia era necessária e porque meu orçamento não era compatível com ficar todos os dias que faltavam no hotel, fui recebida na casa de um amigo brasileiro da minha irmã, o Alex Kblo, que morava com o Tito e duas lituanas, e recebia em casa, além de mim, o Arthur. E a partir daí, em convivendo com esse povo muito acolhedor, a viagem foi ficando mais leve, e Barcelona pode ser a lindeza e a delícia que é. Claro, meu ritmo era muito diferente dos outros da casa. Eu não agüentava sair à noite sempre, acordava cedo pra comprar pão, ia à praia de manhã enquanto os outros dormiam. (Foi em Barceloneta que Benjamin entrou na água do mar pela primeira vez).

Em uma semana volto, que delícia (eu contava os dias desde Paris), e agora tudo ficou mais tranqüilo na companhia dessas pessoas, aqui virou delícia também e a saudade não é coisa fixa, é coisa como vento, vem e passa, ou como nuvem que muda de formato toda hora... Muito obrigada, Kblo, pela companhia, pela casa, pela acolhida; muito obrigada, Tito, pela música (até hoje escuto aquela Ciranda*), pelas conversas, pelo feijão; muito obrigada, Arthur, pelos papos e caminhares!

E, sabe, fomos uma noite, Kblo, eu e as lituanas, num desses lugarezinhos meio botecos, agora não lembro o nome, comer tapas, e ser esbarrada de leve pelas pessoas me foi extremamente alegre. Como é bom, depois da frieza da França e Holanda, poder encostar de novo nas pessoas...

Mas mesmo sendo muito bom estar em Barcelona, a melhor parte da viagem não foi ali. Nem na Holanda, e muito menos na França.

A melhor parte da viagem, eu não tenho nenhuma dúvida, foi no Brasil.

Foi a volta. Foi abraçar e cheirar e olhar o Demis no aeroporto. Foi chegar na nossa casa, felizes, eu e Benjamin crescendo na minha barriga, aliviados de estar enfim ali, e sabendo que, tão cedo, nós três não nos separamos.



segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Relato de viagem (ainda difícil, mas nem tanto) - parte II

Feliz viagem de trem quando nos leva de onde não queríamos estar.

Feliz chegada ao abraço da irmã ali na plataforma mesmo, com direito a emocionar-se por chegar no que acolhe e fazia tanta falta. E por ela estar diante de mim grávida do Benjamin pela primeira vez.

Lembro bem do caminho da estação até a casa dela, as duas falando sem parar, aliviadas pela familiaridade enfim, fazendo emergir contenteza das respectivas tristezas (ela também passava por um momento bem difícil com o namorado holandês).

E mesmo acordando quase toda noite assustada com o que se passou em Paris, mesmo imensamente triste por não saber mais como pensar naquele querido amigo como querido amigo, mesmo ainda longe do Demis, a casa da minha irmã e ela me deram aconchego pra que eu pudesse gostar de estar ali e ousasse caminhar por aquelas ruas cheias de bicicleta com a devida curiosidade. Eu me lembro de sorrir enquanto andava e de travar os primeiros diálogos em voz alta com quem crescia debaixo do meu umbigo.

Ao comprar a passagem de trem Paris-Rotterdam – o que tinha feito no Brasil antes de descobrir que estava grávida –, eu imaginava uma estada na Holanda bem diferente do que de fato foi. Imaginava festas e altas bebedeiras e experimentações. Imaginava andanças curiosas e novos amigos turistas. Imaginava estar aberta pra inundação que pode ser viajar. E, claro, a minha estada ali foi bem diferente disso. Calma, vagarosa, até delicada. Com, ainda, muitos momentos difíceis, ainda que a presença da minha irmã os apaziguasse. Com muita caminhada, sim, mas a passo lento. Com muita experimentação, sim, mas de peixes deliciosos. (E com muitas compras na “H&M mama”!)

Ser turista ainda era difícil, principalmente em Amsterdam. A cidade é muito movimentada e muito pouco acolhedora. Tenho tido dificuldade em me sentir tocada pela beleza das coisas. Isso tem acontecido só de longe. Me sinto extremamente tocada pela saudade.

Mas houve ruas em que foi mais fácil transitar. Cidadezinhas lindas com seus canais e habitantes. Ilhas de areia onde até me arrisquei na bicicleta. Tudo permeado por uma busca nova. A nova maneira de viajar a que eu me via obrigada me lançava em outra busca, mais essencial. Estar grávida me impelia a me repensar inteira. Ou me pensar pela primeira vez. Agora, diferente, outra plenitude já me habita, e não há espaço para outras buscas. Tenho que tatear com os pés como se aprendesse a andar com outras pernas, que são também as minhas.

E foi na Holanda que fiz o ultra-som que disse que aquele que crescia era “ele”. Que cabia todinho na imagem e se mexia, me arrancando lágrimas felizes.

E foi na Holanda que percebi que uma antiga vontade de morar na Europa, de fazer algo por lá, já não existia em mim. A frieza do tempo e da língua e das pessoas me dizia constantemente que eu sou do país do abraço, qualquer que seja esse país.

Depois de duas semanas zanzando pelas terras baixas com a barriga (que já começava a despontar numa dureza diferente do resto), rumei a Barcelona, como havia planejado. E a última parte da viagem conto depois.


Em Vlieland, Holanda

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Relato difícil de uma viagem difícil – parte I

Em agosto do ano passado decidi que queria viajar sozinha, sem marido. Na verdade, decidi o que as possibilidades me ofereciam: ele não podia tirar férias, eu estava mais que precisada delas e achei que seria bom sentir aquelas saudades gostosas dele. Um grande amigo estava em Paris, minha irmã em Rotterdam e eu cheia de vontade de voltar a pisar terras do velho mundo, já que desde a primeira vez em Cuba, como contei aqui, não consegui mais mudar de rumo. Então corajosamente inventei meu roteiro, comprei a passagem e já estava compondo cenas que mesclavam Natalia e o rio Sena, Natalia e o porto de Rotterdam e Natalia e a casa Battló, quando essas e todas as outras cenas que eu tinha imaginado não só pra viagem, mas pra vida, foram, uma semana depois, cuidadosamente chacoalhadas pela notícia repentina e surpreendente da minha gravidez.

Pausa.

Dias tumultuados: o novo da vida pra absorver, o corpo pra entender, cada momento pra reconsiderar e tantas outras melodias.

E a viagem pra decidir. Será? Uma coisa é ir mochilar na zoropa livre, leve e solta. Outra completamente diferente é levar junto uma criatura que se inicia ali debaixo do seu umbigo. E que te diz que mochila é muito peso pra carregar. E que talvez não seja hora de sair de perto de casa. Ou de perto do marido.

Mas ali no meio do tumulto, tendo que tomar uma decisão, escolhi viajar. Mesmo não sabendo que cenas compor pra colorir o imaginado de antes da viagem. Mesmo não sabendo o que levar na mala. Mesmo não sabendo como seriam as camas onde eu iria dormir.

Nunca tive problema nenhum em viajar sozinha, pelo contrário. Gosto muito. É poder viajar inteiro, estar amplo no desconhecido, aberto. Viajo sozinha pra outros países e pra sala de cinema aqui do lado. Mas grávida – aí a história era outra.

Hoje vejo o tamanho da loucura. Convencida por mim mesma (quando é que você vai poder fazer uma viagem dessas de novo?), de repente lá estava eu, com dois meses de gestação, rumo ao aeroporto.

Escrevi:
Nesta sala de embarque lotada, o estranhamento do enfim. Sensação de esguelha de ter esquecido alguma coisa. Relembro, sabendo que não esqueci nada: carrego em mim o essencial. Sou, eu mesma, casa. E gesto futuro. Parece que até aí eu ainda tava me convencendo a ir.

E pra logo ver como ia ser, viajar de avião grávida sem que ninguém soubesse disso foi mais duro que a encomenda. Começando pelas inúmeras vezes no banheiro. Passando pelo inchaço nas pernas. Pela vontade de alguma cumplicidade. E terminando num cansaço descomunal.

Cheguei invadida de cansaço, inundada de mim mesma, pernas inchadas, voz sumida. Os passos pesavam a acontecer, e dormir em plena tarde foi o que me fez poder chegar.

Cheguei em Paris, fui pra casa daquele amigo. Tentando sorrir, achar bom estar ali, falar nossa que máximo estou em paris. Mas o sono, o cansaço e a vontade do colo do Demis me arrancavam essas palavras.

E fui preenchendo os dias como me era possível. Toda a programação turística comum me teria dado enjôo, se eu tivesse tido enjôos na gravidez. Saía andando por aí, via um museu ou outro, mas aquilo não me tocava. Quase reconheci esquinas. Achei Paris excessivamente cheia. Que saco estar sempre rodeada de turistas. Os turistas são um saco, e ser turista é um saco. Turista é muito diferente de estrangeiro. Estrangeiro é outro. Turista carrega o mesmo, busca o mesmo e vê o mesmo. Sem se dar conta, o turista destrói o lugar sem ao menos haver estado ali. Eu não tinha vontade de conversar com ninguém. Sabe aquela curiosidade viajante de perguntar de onde vem, pra onde vai? Desviou de mim. Eu não imaginava uma conversa em que eu pudesse não dizer que estava grávida. E simplesmente não queria contar o que me era tão precioso prum outro qualquer.

(Parêntesis só pra dizer que já tinha estado em paris e tinha amado. Fecha parêntesis.)

É impressionante o pedido do meu corpo por recolhimento. Pedido sem palavras e que inclui também elas próprias. Um pedido mudo de silêncio. A cada dia queria estar menos ali. Que o tempo passasse rápido. Sentia vontade ardida de tocar no Demis. De dormir na minha cama, tomar banho nas minhas águas. Poder me concentrar inteira no meu sono e na minha barriga.

Até que aconteceu algo terrível, que não sei bem como contar, mas poderia descrever assim: eu e meu amigo que me hospedava começamos a falar línguas diferentes. Incompreensíveis uma à outra. Impossíveis, em se tratando de nós dois (éramos realmente muito próximos antes disso). E a única maneira possível dessas línguas se tocarem era em forma de discórdia. Brigamos. E me vi completamente perdida em Paris, grávida, choro constante, sem ter canto.

(Não sei se esse meu amigo vai ler isso algum dia. Depois dessa viagem, não nos falamos mais. Foi duro, e rasgou nós dois. Éramos, então, pedra (eu) e pássaro (ele). Da concretude que eu vivia era impossível levantar vôo. Aqui, tento não fazer julgamentos. Mas sei que estávamos ambos certos e errados.)

Os dias passaram e minha estada de nove dias em Paris acabou.

Foi com um alívio enorme que sentei no trem que ia me levar a Rotterdam.

E como escrever disso foi infinitamente mais difícil do que eu pensava, o resto da viagem continuo depois.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O nascimento

Sempre achei que teria parto normal. Aí na faculdade de medicina aprendi que o problema de coluna que eu tenho poderia atrapalhar e que era, então, indicação de cesárea. Fiquei meio cabreira, mas como ter filhos naquela época era algo absolutamente distante, deixei a coisa de lado e achei que até o meu parto os avanços da medicina já pudessem ter resolvido aquilo.

E então engravidei. Não foi uma gravidez planejada nos rigores todos do termo, mas foi mal e mal evitada. Tanto que aconteceu, alguns anos depois daquele dia em que eu via meu parto como a décadas de distância. E foi surpreendente, mas imagino que mesmo a notícia da gravidez mais planejada seja pura surpresa. Porque não há como não ser assim o novo mais originário, a origem em sua forma mais poética, que é, por sua natureza, também a mais puramente literal. E, sabe?, acho que sei o dia exato em que engravidei. Foi no quarto do Benjamin, que era onde ficavam os pufes e a televisão. Mas a televisão não teve participação nenhuma, quem teve foi um livro chamado A chave de casa de uma moça chamada Tatiana Salem Levy, de quem eu tinha tomado conhecimento alguns dias antes, na FLIP. Essa Tatiana não sabe, e nem eu sabia então, da importância desse livro pra minha gravidez. E a FLIP não sabe, e nem eu sabia então, que a menstruação que descobri no banheiro do posto de gasolina da estrada rumo a Paraty fazia daquele o DUM, ou dia da última menstruação. (Pra quem não é médico nem pai nem mãe, esse dia é usado pra calcular a idade do feto ao longo de toda a gestação e pra estimar o dia do parto).

E minha barriga foi crescendo deliciosamente e me avisando que era hora de ver aquele negócio de parto. Eu continuava de alguma maneira achando que teria parto normal, porque seria no mínimo injusto este ser vasto das minhas ancas não ter nenhuma serventia. Então fui no ortopedista averiguar se os avanços da medicina desde aqueles idos tempos da faculdade já eram suficientes pra garantir o parto que eu queria. Os avanços não, mas as pregressas sessões de RPG, fisioterapia, alongamentos e a boa vontade do médico fizeram com que eu saísse do consultório feliz e saltitante (saltitante dentro da medida possível pela minha já grande barriga), ligando pro Demis e pra quem mais se interessasse pra avisar que já estava definida a via de saída daquele que habitava meu dentro.

Mas aquela grande barriga foi ficando cada vez maior, e maior, e maior, porque aquele que habitava meu dentro crescia, crescia e crescia, até que chegaram as esperadas 37 semanas, e nada. A grande barriga lá no alto, eu interpretando os movimentos quase circenses do Benjamin como tentativas de encaixar, e as semanas passando. 38. Entrei de licença de um dos trabalhos. 39. Entrei de licença de outro. 39 e seus sétimos. O quarto pronto, o cinema com o gostinho de último, a insônia aumentando e uma pulga atrás da orelha também. Até que o querido obstetra (que merecia um post só pra ele) disse: olha, ele tá muito grande. Se crescer mais não passa. E eu me segurando pra não chorar.

Pausa para digressão. Quando uma querida amiga minha teve um filho lindo-maravilhoso nascido de cesárea e eu vi no seu rosto a decepção por não ter sido parto normal, eu pensei bem lá dentro dos meus botões que ela devia estar reclamando à toa, porque, poxa, o que importava afinal era que tinha ido tudo bem. Foi só quando a iminência da cesárea se apresentou pra mim que eu entendi que decepção era aquela que ela tinha sentido. Insuficiência mais incapacidade elevadas à culpa mais frustração é a equação que resume um pouco o estado. Porque essa história de parto normal a qualquer custo, junto com todas as idas à maternidade que eu já tinha imaginado e todos os gritos de dor que os meus sonhos já tinham ouvido (e nunca houve dor que eu esperasse tão ansiosamente) me deixavam ali, chorando no sofá, olhando a minha barriga e me perguntando por que ela insistia em escrever a história dela e não em seguir o script que eu e o mundo já lhe havíamos oferecido.

(que bom, barriga, que bom que você me mostrou desde aí que vinha era pra se inaugurar; obrigada, Benjamin, por desde as entranhas insistir em ser si mesmo.)

E a nossa história, que enfim se deu, foi a seguinte. Se ele não nascesse no fim de semana, o obstetra induziria o parto. E no fim da tarde de segunda-feira ele colocou lá a tal da coisa para induzir, e eu e o Demis fomos jantar fora. Nossa despedida de restaurantes sabe-se lá em quanto tempo. Um jantar delicioso, e eu atenta a qualquer contraçãozinha.

Em casa, outra insônia. Uma insônia muito especial, porque era provavelmente a última antes de eu ser mãe. Antes de eu conhecer o Benjamin de outro jeito. Antes de eu poder abraçá-lo com os braços ao invés do ventre. As horas acordada eu fiquei no quarto dele, sentindo o vazio que estava prestes a ser preenchido. E sentindo o cheio em mim que logo ficaria vazio.

Amanheceu chovendo. Eu e o Demis fomos ao consulado de Cuba entregar um papel que faltava para a solicitação de visto da mãe dele, e que tinha chegado na tarde anterior, antes da nossa ida ao obstetra. Depois do consulado, fomos comprar um tênis pro Demis. E depois ao cinema. Assistimos Soul Kitchen. E depois voltamos para casa. E ficamos esperando a ligação do consultório do obstetra, porque uma moça havia chegado à consulta em pleno trabalho de parto e ele tinha ido ao hospital (tive inveja dessa moça com suas contrações.)

À noite, fomos ao consultório e a indução não tinha funcionado. Veio uma onda de tristeza e depois aquele marzão de uma alegria meio nervosa. Seria mesmo cesariana, então fomos pra casa pegar as coisas e depois para a maternidade.

Eu tinha ainda algum tipo de esperança de que eu entrasse em trabalho de parto por milagre. Mas o milagre foi outro. E foi simples. Foi o nascimento do Benjamin. Porque quando eu escutei seu choro eu senti o que de mais intenso me visitou na vida, e seria inútil tentar buscar um nome que descrevesse aquilo.

Com o choro dele e a mão dele no meu rosto foi embora qualquer coisa que não fosse ele mesmo.

E, depois que tiraram ele de perto de mim, eu caí num cansaço absurdo como se tivesse sido esforço meu ele nascer. Perguntaram até se o anestesista tinha me dado algum calmante. Não, ele disse. Era algo como sair de um transe, de uma condensação mágica de tempo, para entrar no que pode significar a palavra sim.

Benjamin nasceu muito bem, com 4125g. E eu agradeci por nós dois que ele tenha vindo como veio.






domingo, 22 de agosto de 2010

A trilha sonora

Um dia qualquer da gravidez eu tava andando de carro com o Demis e escutando música e pensando na vida. Aliás, já me corrijo, porque dia qualquer não existe na gravidez. Mesmo quando é dia daqueles mais abarrotados, no meio da atividade mais rotineira ou automática ou sem graça vem aquela espécie de susto bom, ou então fica pairando de leve uma alegria nas esquinas das coisas. Então, num dos dias incríveis da gravidez eu tava de fato andando de carro com o Demis e escutando música, e pensando na vida e no gesto que acontecia debaixo do meu umbigo, e de repente me espantei com a conspiração do universo necessária para que existisse aquele exato momento. E me espantei em dobro com a conspiração do universo necessária para que existisse um ser se fazendo através de seu umbigo, bem ali debaixo do meu, naquele exato momento. E me espantei ao infinito pela existência daquele ser-que-se-fazia bem ali debaixo do meu umbigo, naquele exato momento, já ser tão única. Esse último espanto não sei se consigo mesmo descrever. Foi um assombro. Eu visualizava estudos, provas, férias e aviões, momentos aparentemente comuns e no entanto decisivos, despedidas que se pensavam eternas e se equivocavam, óvulo e espermatozóides, e tantas outras coisas e fatores que apontavam, parecia, todos para a minha barriga. E para aquela criatura que já era AQUELA. Não sei se dá pra entender o significado dessas maiúsculas.

Aquilo foi uma condensação mágica de todo o milagre disperso no tempo em um instante apenas. Instante que reveste cada olhar pro Benjamin.


***

E falando em música, lembrei que foi através de uma que desconfiei pela primeira vez que pudesse estar grávida. Era uma noite de domingo, um domingo estranho (Corinthians tinha perdido – aquele dia que o Ronaldo quebrou o braço, sabem, corinthianos?, eu tinha perdido meu celular no meio da rua e havia ainda algo outro de incompreensível no ar), e chegando em casa o Demis me mostrou que tinha baixado uma música, Guaranteed do Eddie Vedder, aquela daquele filme terrivelmente lindo. E a música me tocou de uma forma que eu soluçava sem conseguir pensar em parar, me sentindo tocada ainda mais com o seguir da música e com meu próprio choro, e eu chorava sem entender nada e entendendo tudo, e olhava pro Demis e chorava mais e mais, e aí veio o “epa, algo diferente está acontecendo comigo”. Estava.


***

Ao longo de toda a gravidez as músicas me deixaram à flor da pele (ou a gravidez me deixou à flor da pele pras músicas). Outra que fez presença e foi uma surpresa foi Peace train do Cat Stevens. Nunca tinha me ligado nela e fazia tempo que o Cat andava esquecido, e não sei se porque o Benja chutava bastante quando ela tocava, eu passei a gostar tanto e escutar tanto e me emocionar tanto e perceber que isso também se devia àquela música ser um anúncio de paz.

***

E teve um dia de arrumação de CDs aqui em casa, a barriga já saliente. Eles ficavam no quarto que agora teria novo dono e teriam que se mudar prum lugar inventado na sala. Lá ficaram eu e minha pança acomodados como possível no chão, arrumando/escutando músicas esquecidas de épocas várias horas e horas a fio (tirando as interrupções do xixi). Assim foi que Benjamin conheceu minha história na versão musical, história que convergia, naquele momento, pra ele mesmo. Que respondia com chutes e cotoveladinhas e silêncios.
Ao som de Cat Stevens


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O dia D

Ontem perguntei pro Demis se podia contar nossa história aqui. Ele relutou, porque a gente tinha combinado lá no começo que nenhum dos dois a escreveria, mas acabou deixando. O problema, eu percebi, é que nem eu mesma sei se a consigo ou posso escrever. Seria (de novo as tais ressalvas) algo como fixar o milagre, e haveria o pressuposto de ela já estar pronta, finalizada, o que nunca estará. Se eu a escrevesse, sinto como se tivesse que o fazer muitas vezes, pra não dar a uma versão a possibilidade absurda de ser definitiva.

Mas agora nem a primeira versão me vejo apta a arriscar. Faço todo esse ensaio cheio de vai-num-vai só pra justificar que o que vem aí é só fragmento, necessário pra dizer outra coisa – também milagrosa –, e sabe-se lá quando vem o que faltou.

O Demis é cubano, e foi em Cuba que a gente se conheceu. Depois de algumas idas minhas praquela ilha mágica (costumo dizer que, depois da minha primeira ida à Cuba, demorou pra eu conseguir viajar de novo pra outros lugares), percebemos, eu já de volta no Brasil, que a gente queria mais tempo de primavera e decidimos intentar (em espanhol) que ele viesse pra cá. No começo achamos que ia ser fácil e eu escolhi uma data pra ele chegar. Era dia 6 de abril de 2007. Começamos a chamar esse dia de dia D. Mas as fronteiras e diplomacias e burocracias não deixaram que a gente tivesse a pretensão de escolher a tal ponto nosso próprio destino, ou foi o destino mesmo quem escolheu assim (porque destino é homem barbudo), e o Demis chegou só em agosto. Mas dia D mesmo, ficou sendo aquele que não tinha sido.

Quando o Benjamin nasceu eu nem tinha ligado os fatos e números, mas um tempo depois me veio o estalo. O dia D que a gente tinha escolhido não era pra chegada do Demis. Era pruma outra chegada, de outra ordem.


Benjamin nasceu em 6 de abril de 2010.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Primeiros: mês, mãe, filho...

Quando Benjamin nasceu eu não tinha lido nenhum livro sobre maternidade ou como criar seu filho ou como fazer dele x, y e z. Isso por um certo receio de ser mãe tecnológica (obrigada pelo termo, Juliano) e por achar que, de um jeito ou de outro, eu ia dar conta. Aliás, pra não mentir, depois de ir ao primeiro pediatra (acabei ficando no segundo, a peregrinação não foi tão longa), comprei pela internet um livro indicado por ele numa das muitas madrugadas insones da gravidez, motivada por um desespero repentino porque, afinal de contas, eu nunca tinha trocado nenhuma fralda na vida e muito menos dado banho em bebê. Um livro simples, que de vez em quando ainda folheio pra tirar alguma dúvida e quando lembro que ele existe.

Mas tirando esse, nenhum outro. E comecei fazendo Benjamin dormir no peito, que era como ele mais facilmente dormia. E a dar o peito a cada vez que ele chorava, porque sempre conseguia achar que ele não tinha mamado tanto mesmo da última vez. E, se ele não dormia no peito ou acordava na hora que eu estava colocando ele no berço, então era colo. Umas 3 ou 4 vezes o dormir no colo, botar no berço, acordar, começar de novo. (quando não era voltar pro peito...) Depois de a pediatra dar uma bronca porque ele estava ganhando peso demais, o peito deixou de ser uma alternativa e começamos a seguir os horários pra mamar. E eu aprendi que choro pode ser cocô, frio, sono... No caso do Benja, quase sempre sono.

Nessa época, uma amiga nossa, pediatra e mãe de 3 filhos, recomendou a tal da encantadora de bebês. Na hora fiquei meio constrangida de dizer que não acreditava muito nessas coisas, achei estranho que ela, que não era leiga, tava me indicando um livro daqueles e achei o nome ridículo. E continuei usando as mais diferentes técnicas de colo pro Benja dormir. E não só de colo.

Se ele dormia ao som de uma música, então das próximas vezes era repeat ad infinitum até ninguém agüentar mais e o Benja não dormir mais com aquela música mesmo. Buscávamos outra. (As mais ouvidas foram El reparador de sueños, do Silvio Rodriguez, Meu neném, Palavra Cantada básico e toda a Caixinha Brasileira, além do MPBaby, que veio um pouco mais tarde de presente). E um chacoalha de um jeito, move do outro, shhhh no ritmo da música... A gente chegou a ficar, mais de uma vez, até 5 horas tentando fazer o Benja dormir. Dava aquele desespero de parar o processo pra dar de mamar porque já tava na hora, mas tinha a esperança de que na mamada ele dormisse. E dava desespero também olhar pela janela e ver a vida das pessoas no prédio da frente acontecendo e nós aqui no rodízio de colos. E o Benjamin sofrendo.

E tinha também o lado místico. Tentar a mesma posição, o mesmo horário, o mesmo balançar, o mesmo jeito de colocar o cobertor. E outras explicações: cólica, dor de ouvido, sei lá o que mais. E a raiva furibunda de quem ligava exatamente no momento em que a gente tava colocando ele no berço, e ele acordava de novo, e mais uma vez o processo (quase sempre ao som, além da música da vez, de muito choro). Acho que o coitado dormia era de exaustão...

Depois veio o secador de cabelos. Descobrimos que o barulho acalmava, e então era todo um ritual de começar com a potência máxima, diminuir, e depois que ele já tava deitado, deixar um tempo o secador pra fora do quarto pra, só quando era certeza que ele já tava em sono profundo, puxar da tomada. Imagine a conta de luz.

Nessa época, a gente já tava aderindo à chupeta, que no começo eu era contra (oh, quanta pretensão e ingenuidade!) e ainda estávamos tentando tirar o dedão da boca quando ele queria chupar. Ele devia estar com um mês e pouco. Mas mesmo assim eu passava o dia todo em função dele, me sentindo heroína e achando que estava fazendo por meu filho o melhor por ele, porque sacrifício e benefício eram diretamente proporcionais na minha cabeça de mãe culpada de primeira viagem (imagino que, no segundo filho, só o segundo predicado vá embora, não?).

E então, em outra madrugada de desespero, comprei pela internet a encantadora, depois de admitir pra mim mesma que não era normal ele dormir por 15 minutos e acordar inúmeras vezes ao dia, e depois que meu cansaço assim exigiu.

Eu devorei o livro.

Achei que não tinha capacidade de ler pelo cansaço, mas eu esperava ansiosamente a hora do Benja dormir pra atacá-lo. Venci meus preconceitos e a cara de Bush do bebê da capa e fiquei impressionada que ela falava exatamente as minhas dúvidas! Não aderi ao teste pra classificar bebês nem ao E.A.S.Y. ao pé das letras (
E.A.S.Y uma O.V.A.!), mas que a vida melhorou depois da encantadora, melhorou. A do Benjamin, principalmente.

E depois veio o Nana, Nenê, junto com a culpa na forma de porque-eu-não-fiz-isso-antes somada à sensação de ser profundamente influenciável e à culpa na forma de se-ele-tiver-algum-problema-é-porque eu fiquei mudando de método.

Então chegamos ao ponto que motivou esse post. (demorou, né?)

E conto a história de uma amiga querida, que não digo o nome porque não sei se ela deixa, mãe de um filho gostoso e cheiroso, que choraram, ambos, de puro desespero e falta de sentido, horas a fio até que ela ligou pro pai, que estava de plantão, pra ele vir socorrê-los. Quando ela me contou, parecia que não conseguia encontrar nenhum lado bom no que tinha acontecido. E eu disse: mas era você vivendo aquilo com ele. Sem pensar que isso me serviria a mim mesma de sentido mais tarde. Não estou tentando achar desculpas, nem digo que aqueles dias foram deliciosos pra ninguém, mas era eu, na minha ingenuidade, crueza de mãe crua, junto, junto, bem junto com o Benjamin, na sua crueza de ser vivo. E o Demis, que viveu tudo também. Estávamos ali, cada um, inteiros para cada outro de nós. Falíveis, novos, ingênuos, mas com vontade, e principalmente, éramos Benjamin, Demis, Natalia.




*Juliano Garcia Pessanha, do Certeza do Agora e das pessoas detrás das nuvens.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...