E então, depois de uma estadia espinhosa em Paris consolada por outra no aconchego da irmã em Rotterdam, era hora de seguir viagem outra vez. Só que Barcelona, o destino escolhido com alegria naquele remoto dia em que comprei a passagem (e ainda não sabia que estava grávida), ao invés daquele cidade colorida e festeira que eu sempre tinha querido conhecer, havia se transformado numa gigante interrogação. Eu não tinha nem onde ficar nem conhecia ninguém que fosse próximo. E de interrogações, já bastavam as da própria gravidez.
Tentei mudar o itinerário para passar todos os dias que restavam da viagem com minha irmã, mas a taxa era tão alta que não valia a pena. Juntei, então, o que consegui encontrar de coragem e fui, tendo reservado antes um albergue que parecia perto do aeroporto onde eu chegaria.
Pausa para contar brevemente do dia que passei em Bruxelas com Verinha, regado a boa conversa e abraço daqueles. Parecia que estar em casa (ela) fora de casa (e para isso são os amigos) tornava a sua visão ainda mais familiar, querida e necessária. Foi Verinha quem me acompanhou ao aeroporto num trajeto emocionante de quase perder o vôo. E agora vejo: é muito bom ter de quem se despedir. Obrigada, Verinha, pelo dia e pelo abraço.
À noite do dia em que saí de Rotterdam, depois de passar por Bruxelas, cheguei em Barcelona. Com medo e encolhida. Querendo cuidar da minha barriga e nada mais.
Peguei um taxi pro albergue que havia reservado, mas a reserva havia sido completamente desconsiderada e o amável e delicado administrador daquela espelunca casa me enxotou pro outro albergue deles em plena Rambla, em plena noite, eu, a barriga e a mochila, a pé. Um americano simpático havia sido enxotado também, e fomos juntos, eu falando amenidades pra num cair no berreiro, ele se oferecendo pra levar minha mochila, o que teria aceitado se a dele já não fosse maior que ele próprio.
Escrevi, na manhã seguinte: A pior noite da história. Barulho dentro do quarto, barulho da rua, calor, cama ruim, pessoas entrando e saindo, gente roncando, caminhões passando lá fora, gente gritando aqui e lá... Queria chorar e não tinha onde pudesse estar SOZINHA. Decidi ir prum hotel. Hoje, acabada, meio zumbi andando pelas ruas (devo ter dormido no máximo, com muito otimismo, umas duas horas)...
Esse tipo de perrengue, que em outras circunstâncias seria normal, não combina nada com gravidez. Nada. Muito menos com quase três meses, e muito menos sozinha. No dia seguinte, chegando ao hotel, me esparramei na cama e fiquei ali, curtindo o conforto, o silêncio, o banho. Curtindo a barriga que despontava. Sentindo o tanto de saudade, companheira fiel.
Poucos dias depois, porque boa companhia era necessária e porque meu orçamento não era compatível com ficar todos os dias que faltavam no hotel, fui recebida na casa de um amigo brasileiro da minha irmã, o Alex Kblo, que morava com o Tito e duas lituanas, e recebia em casa, além de mim, o Arthur. E a partir daí, em convivendo com esse povo muito acolhedor, a viagem foi ficando mais leve, e Barcelona pode ser a lindeza e a delícia que é. Claro, meu ritmo era muito diferente dos outros da casa. Eu não agüentava sair à noite sempre, acordava cedo pra comprar pão, ia à praia de manhã enquanto os outros dormiam. (Foi em Barceloneta que Benjamin entrou na água do mar pela primeira vez).
Em uma semana volto, que delícia (eu contava os dias desde Paris), e agora tudo ficou mais tranqüilo na companhia dessas pessoas, aqui virou delícia também e a saudade não é coisa fixa, é coisa como vento, vem e passa, ou como nuvem que muda de formato toda hora... Muito obrigada, Kblo, pela companhia, pela casa, pela acolhida; muito obrigada, Tito, pela música (até hoje escuto aquela Ciranda*), pelas conversas, pelo feijão; muito obrigada, Arthur, pelos papos e caminhares!
E, sabe, fomos uma noite, Kblo, eu e as lituanas, num desses lugarezinhos meio botecos, agora não lembro o nome, comer tapas, e ser esbarrada de leve pelas pessoas me foi extremamente alegre. Como é bom, depois da frieza da França e Holanda, poder encostar de novo nas pessoas...
Mas mesmo sendo muito bom estar em Barcelona, a melhor parte da viagem não foi ali. Nem na Holanda, e muito menos na França.
A melhor parte da viagem, eu não tenho nenhuma dúvida, foi no Brasil.
Foi a volta. Foi abraçar e cheirar e olhar o Demis no aeroporto. Foi chegar na nossa casa, felizes, eu e Benjamin crescendo na minha barriga, aliviados de estar enfim ali, e sabendo que, tão cedo, nós três não nos separamos.