segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O nascimento

Sempre achei que teria parto normal. Aí na faculdade de medicina aprendi que o problema de coluna que eu tenho poderia atrapalhar e que era, então, indicação de cesárea. Fiquei meio cabreira, mas como ter filhos naquela época era algo absolutamente distante, deixei a coisa de lado e achei que até o meu parto os avanços da medicina já pudessem ter resolvido aquilo.

E então engravidei. Não foi uma gravidez planejada nos rigores todos do termo, mas foi mal e mal evitada. Tanto que aconteceu, alguns anos depois daquele dia em que eu via meu parto como a décadas de distância. E foi surpreendente, mas imagino que mesmo a notícia da gravidez mais planejada seja pura surpresa. Porque não há como não ser assim o novo mais originário, a origem em sua forma mais poética, que é, por sua natureza, também a mais puramente literal. E, sabe?, acho que sei o dia exato em que engravidei. Foi no quarto do Benjamin, que era onde ficavam os pufes e a televisão. Mas a televisão não teve participação nenhuma, quem teve foi um livro chamado A chave de casa de uma moça chamada Tatiana Salem Levy, de quem eu tinha tomado conhecimento alguns dias antes, na FLIP. Essa Tatiana não sabe, e nem eu sabia então, da importância desse livro pra minha gravidez. E a FLIP não sabe, e nem eu sabia então, que a menstruação que descobri no banheiro do posto de gasolina da estrada rumo a Paraty fazia daquele o DUM, ou dia da última menstruação. (Pra quem não é médico nem pai nem mãe, esse dia é usado pra calcular a idade do feto ao longo de toda a gestação e pra estimar o dia do parto).

E minha barriga foi crescendo deliciosamente e me avisando que era hora de ver aquele negócio de parto. Eu continuava de alguma maneira achando que teria parto normal, porque seria no mínimo injusto este ser vasto das minhas ancas não ter nenhuma serventia. Então fui no ortopedista averiguar se os avanços da medicina desde aqueles idos tempos da faculdade já eram suficientes pra garantir o parto que eu queria. Os avanços não, mas as pregressas sessões de RPG, fisioterapia, alongamentos e a boa vontade do médico fizeram com que eu saísse do consultório feliz e saltitante (saltitante dentro da medida possível pela minha já grande barriga), ligando pro Demis e pra quem mais se interessasse pra avisar que já estava definida a via de saída daquele que habitava meu dentro.

Mas aquela grande barriga foi ficando cada vez maior, e maior, e maior, porque aquele que habitava meu dentro crescia, crescia e crescia, até que chegaram as esperadas 37 semanas, e nada. A grande barriga lá no alto, eu interpretando os movimentos quase circenses do Benjamin como tentativas de encaixar, e as semanas passando. 38. Entrei de licença de um dos trabalhos. 39. Entrei de licença de outro. 39 e seus sétimos. O quarto pronto, o cinema com o gostinho de último, a insônia aumentando e uma pulga atrás da orelha também. Até que o querido obstetra (que merecia um post só pra ele) disse: olha, ele tá muito grande. Se crescer mais não passa. E eu me segurando pra não chorar.

Pausa para digressão. Quando uma querida amiga minha teve um filho lindo-maravilhoso nascido de cesárea e eu vi no seu rosto a decepção por não ter sido parto normal, eu pensei bem lá dentro dos meus botões que ela devia estar reclamando à toa, porque, poxa, o que importava afinal era que tinha ido tudo bem. Foi só quando a iminência da cesárea se apresentou pra mim que eu entendi que decepção era aquela que ela tinha sentido. Insuficiência mais incapacidade elevadas à culpa mais frustração é a equação que resume um pouco o estado. Porque essa história de parto normal a qualquer custo, junto com todas as idas à maternidade que eu já tinha imaginado e todos os gritos de dor que os meus sonhos já tinham ouvido (e nunca houve dor que eu esperasse tão ansiosamente) me deixavam ali, chorando no sofá, olhando a minha barriga e me perguntando por que ela insistia em escrever a história dela e não em seguir o script que eu e o mundo já lhe havíamos oferecido.

(que bom, barriga, que bom que você me mostrou desde aí que vinha era pra se inaugurar; obrigada, Benjamin, por desde as entranhas insistir em ser si mesmo.)

E a nossa história, que enfim se deu, foi a seguinte. Se ele não nascesse no fim de semana, o obstetra induziria o parto. E no fim da tarde de segunda-feira ele colocou lá a tal da coisa para induzir, e eu e o Demis fomos jantar fora. Nossa despedida de restaurantes sabe-se lá em quanto tempo. Um jantar delicioso, e eu atenta a qualquer contraçãozinha.

Em casa, outra insônia. Uma insônia muito especial, porque era provavelmente a última antes de eu ser mãe. Antes de eu conhecer o Benjamin de outro jeito. Antes de eu poder abraçá-lo com os braços ao invés do ventre. As horas acordada eu fiquei no quarto dele, sentindo o vazio que estava prestes a ser preenchido. E sentindo o cheio em mim que logo ficaria vazio.

Amanheceu chovendo. Eu e o Demis fomos ao consulado de Cuba entregar um papel que faltava para a solicitação de visto da mãe dele, e que tinha chegado na tarde anterior, antes da nossa ida ao obstetra. Depois do consulado, fomos comprar um tênis pro Demis. E depois ao cinema. Assistimos Soul Kitchen. E depois voltamos para casa. E ficamos esperando a ligação do consultório do obstetra, porque uma moça havia chegado à consulta em pleno trabalho de parto e ele tinha ido ao hospital (tive inveja dessa moça com suas contrações.)

À noite, fomos ao consultório e a indução não tinha funcionado. Veio uma onda de tristeza e depois aquele marzão de uma alegria meio nervosa. Seria mesmo cesariana, então fomos pra casa pegar as coisas e depois para a maternidade.

Eu tinha ainda algum tipo de esperança de que eu entrasse em trabalho de parto por milagre. Mas o milagre foi outro. E foi simples. Foi o nascimento do Benjamin. Porque quando eu escutei seu choro eu senti o que de mais intenso me visitou na vida, e seria inútil tentar buscar um nome que descrevesse aquilo.

Com o choro dele e a mão dele no meu rosto foi embora qualquer coisa que não fosse ele mesmo.

E, depois que tiraram ele de perto de mim, eu caí num cansaço absurdo como se tivesse sido esforço meu ele nascer. Perguntaram até se o anestesista tinha me dado algum calmante. Não, ele disse. Era algo como sair de um transe, de uma condensação mágica de tempo, para entrar no que pode significar a palavra sim.

Benjamin nasceu muito bem, com 4125g. E eu agradeci por nós dois que ele tenha vindo como veio.






sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Curtas (ou intervalos de alegria e tristeza)

Ontem tentamos dar água pro Benjamin pela primeira vez por causa da secura absurda desse tempo. Tomar mesmo, acho que ele não tomou. Mas ver a mãozinha dele tentando segurar a mamadeira era tão bonito que eu quase esquecia o motivo terrível daquilo.

***

Tem uma planta morta na sala aqui de casa. Era uma planta grande, linda, que bendizia a casa há mais de três anos, e há uma semana estava forte, com plantinhas pequenas nascendo e tudo. Secou. E agora tenho um cadáver no vaso, que me entristece sempre que passo por ali e do qual não sei como me livrar.

***

A mesma mãozinha deliciosa do Benjamin fica segurando meu dedo, enroscadinha toda num só dedo meu, sempre que ele mama. E como é bom saber que a sede dele é saciada com a água que eu bebi.

***

O prédio da rua do lado já está com 18 andares. Os prédios, porque são dois. Sabe-se lá a que alturas chegarão, porque não dão mostras de que pretendam se terminar tão cedo.


***

Quando o Benjamin acorda ele chama a gente com algum tipo de grito. E quando a gente chega no quarto ele já ta olhando pra porta esperando a gente chegar, e ao escutar nossa voz ele abre um sorriso que abre a boca que afinal é pequena pra tanto sorriso.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre a secura e outras vidências*

Todo mundo gripado aqui em casa. A trilha sonora esses dias tem sido um tanto quando escatológica. Espirros, tossidas brabas, nariz assoando duro. Além dos gemidos e reclamações. E do barulho do inalador ligado.

Na janela, a nuvem de poeira aumentando. Dá pra ver a secura. Até pra respirar, dói.

E como se não bastasse tanto mal estar, tenho recebido a visita de outro incômodo. Uma aflição vestida de preocupação, que oscila entre se perder em dias comuns e vir na forma de uma vertigem do mal quando a coisa fica feia.

É que o mundo ta ficando sem canto. Sem refúgio. Uma sensação terrível. Ainda mais quando se tem um bebê de quatro meses na frente, lindo, gostoso, com todo um futuro pela frente.

É uma tristeza doída que me vem quando eu penso que o Benja vai sofrer ainda muito com o clima. Que ainda vai passar por muitos dias malvados de secos como este. Que ainda vai enfrentar muita enchente, como as que a gente viveu no começo do ano. Que talvez veja ciclones (se escolhermos algum dia viver em Cuba). Que vai sentir incômodos, e vai sentir medo.

Ai, como eu queria um mundo melhor pro meu filho. Sem pieguice. Falo sério. Me falta otimismo? Estou catastrófica? Quem dera o problema estivesse na minha cabeça. Mas eu olho pela janela e vejo o dia cinza.

(e vejo também outro pedaço de céu sendo roubado das minhas manhãs, cada dia menor, na proporção em que se levantam mais esses dois prédios de escritório aqui na rua do lado)

Mãos à massa, alguém pode dizer. Concordo. Há que se fazer o que está ao alcance. Mas isso me parece tão pouco. Parece que o estrago já tá feito. E que o que deveria mudar na verdade nem está em questão.

Me disseram: você deveria ter pensado nisso antes de ter filho.

Mas é que eu vi um bichinho verde, no jardim que não existe aqui em casa, chamado esperança.



*Um pouco do título deste post peguei emprestado de um livro não publicado de um amigo que já não sente o seco deste clima. Saudades, Rafa.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ida e volta!

Impressionante. Ele se esforçava, esticava o bracinho, tentava dar impulso, às vezes ia, outras voltava na metade do caminho. E de repente, não mais que de repente virar se transformou na coisa mais fácil do mundo. Sim, o Benja agora vira de barriga pra cima, pra baixo, prum lado e pro outro. De um minuto pra outro e ele ficou habilíssimo. E a gente que fique esperto...


E a baba caindo...





domingo, 22 de agosto de 2010

A trilha sonora

Um dia qualquer da gravidez eu tava andando de carro com o Demis e escutando música e pensando na vida. Aliás, já me corrijo, porque dia qualquer não existe na gravidez. Mesmo quando é dia daqueles mais abarrotados, no meio da atividade mais rotineira ou automática ou sem graça vem aquela espécie de susto bom, ou então fica pairando de leve uma alegria nas esquinas das coisas. Então, num dos dias incríveis da gravidez eu tava de fato andando de carro com o Demis e escutando música, e pensando na vida e no gesto que acontecia debaixo do meu umbigo, e de repente me espantei com a conspiração do universo necessária para que existisse aquele exato momento. E me espantei em dobro com a conspiração do universo necessária para que existisse um ser se fazendo através de seu umbigo, bem ali debaixo do meu, naquele exato momento. E me espantei ao infinito pela existência daquele ser-que-se-fazia bem ali debaixo do meu umbigo, naquele exato momento, já ser tão única. Esse último espanto não sei se consigo mesmo descrever. Foi um assombro. Eu visualizava estudos, provas, férias e aviões, momentos aparentemente comuns e no entanto decisivos, despedidas que se pensavam eternas e se equivocavam, óvulo e espermatozóides, e tantas outras coisas e fatores que apontavam, parecia, todos para a minha barriga. E para aquela criatura que já era AQUELA. Não sei se dá pra entender o significado dessas maiúsculas.

Aquilo foi uma condensação mágica de todo o milagre disperso no tempo em um instante apenas. Instante que reveste cada olhar pro Benjamin.


***

E falando em música, lembrei que foi através de uma que desconfiei pela primeira vez que pudesse estar grávida. Era uma noite de domingo, um domingo estranho (Corinthians tinha perdido – aquele dia que o Ronaldo quebrou o braço, sabem, corinthianos?, eu tinha perdido meu celular no meio da rua e havia ainda algo outro de incompreensível no ar), e chegando em casa o Demis me mostrou que tinha baixado uma música, Guaranteed do Eddie Vedder, aquela daquele filme terrivelmente lindo. E a música me tocou de uma forma que eu soluçava sem conseguir pensar em parar, me sentindo tocada ainda mais com o seguir da música e com meu próprio choro, e eu chorava sem entender nada e entendendo tudo, e olhava pro Demis e chorava mais e mais, e aí veio o “epa, algo diferente está acontecendo comigo”. Estava.


***

Ao longo de toda a gravidez as músicas me deixaram à flor da pele (ou a gravidez me deixou à flor da pele pras músicas). Outra que fez presença e foi uma surpresa foi Peace train do Cat Stevens. Nunca tinha me ligado nela e fazia tempo que o Cat andava esquecido, e não sei se porque o Benja chutava bastante quando ela tocava, eu passei a gostar tanto e escutar tanto e me emocionar tanto e perceber que isso também se devia àquela música ser um anúncio de paz.

***

E teve um dia de arrumação de CDs aqui em casa, a barriga já saliente. Eles ficavam no quarto que agora teria novo dono e teriam que se mudar prum lugar inventado na sala. Lá ficaram eu e minha pança acomodados como possível no chão, arrumando/escutando músicas esquecidas de épocas várias horas e horas a fio (tirando as interrupções do xixi). Assim foi que Benjamin conheceu minha história na versão musical, história que convergia, naquele momento, pra ele mesmo. Que respondia com chutes e cotoveladinhas e silêncios.
Ao som de Cat Stevens


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O dia D

Ontem perguntei pro Demis se podia contar nossa história aqui. Ele relutou, porque a gente tinha combinado lá no começo que nenhum dos dois a escreveria, mas acabou deixando. O problema, eu percebi, é que nem eu mesma sei se a consigo ou posso escrever. Seria (de novo as tais ressalvas) algo como fixar o milagre, e haveria o pressuposto de ela já estar pronta, finalizada, o que nunca estará. Se eu a escrevesse, sinto como se tivesse que o fazer muitas vezes, pra não dar a uma versão a possibilidade absurda de ser definitiva.

Mas agora nem a primeira versão me vejo apta a arriscar. Faço todo esse ensaio cheio de vai-num-vai só pra justificar que o que vem aí é só fragmento, necessário pra dizer outra coisa – também milagrosa –, e sabe-se lá quando vem o que faltou.

O Demis é cubano, e foi em Cuba que a gente se conheceu. Depois de algumas idas minhas praquela ilha mágica (costumo dizer que, depois da minha primeira ida à Cuba, demorou pra eu conseguir viajar de novo pra outros lugares), percebemos, eu já de volta no Brasil, que a gente queria mais tempo de primavera e decidimos intentar (em espanhol) que ele viesse pra cá. No começo achamos que ia ser fácil e eu escolhi uma data pra ele chegar. Era dia 6 de abril de 2007. Começamos a chamar esse dia de dia D. Mas as fronteiras e diplomacias e burocracias não deixaram que a gente tivesse a pretensão de escolher a tal ponto nosso próprio destino, ou foi o destino mesmo quem escolheu assim (porque destino é homem barbudo), e o Demis chegou só em agosto. Mas dia D mesmo, ficou sendo aquele que não tinha sido.

Quando o Benjamin nasceu eu nem tinha ligado os fatos e números, mas um tempo depois me veio o estalo. O dia D que a gente tinha escolhido não era pra chegada do Demis. Era pruma outra chegada, de outra ordem.


Benjamin nasceu em 6 de abril de 2010.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Privilégios

Tive o privilégio de ler um cara chamado Jorge Larrosa pouco antes do nascimento do Benjamin. Foi em outra das insônias prévias à chegada dele, umas duas ou três noites antes, que conheci um texto chamado “O enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro”, do livro Pedagogia Profana. Não tinha o intuito de trazer ao blog textos alheios, mas desse não tive como escapar.

Trago, então, esses trechos (com uma dificuldade enorme de selecionar, porque a vontade era colocar o negócio todo, tão assombroso)...


“...quando uma criança nasce, um outro aparece entre nós. E é um outro porque é sempre algo diferente da materialização de um projeto, da satisfação de uma necessidade, do cumprimento de um desejo, do complemento de uma carência ou do reaparecimento de uma perda. É um outro enquanto outro, não a partir daquilo que nós colocamos nela. É um outro porque sempre é outra coisa diferente do que podemos antecipar, porque sempre está além do que sabemos, ou do que queremos ou do que esperamos. (...) uma criança é algo absolutamente novo que dissolve a solidez do nosso mundo e que suspende a certeza que nós temos de nós próprios. Não é o começo de um processo mais ou menos antecipável, mas uma origem absoluta, um verdadeiro início. (...) (É) o instante da absoluta descontinuidade , da possibilidade enigmática de que algo que não sabemos e que não nos pertence inaugure um novo início. Por isso, o nascimento não é um momento que se possa situar numa cronologia, mas aquilo que interrompe toda cronologia.”

“Uma imagem do totalitarismo: o rosto daqueles que, quando olham para uma criança, já sabem, de antemão, o que vêem e o que têm que fazer com ela. A contra-imagem poderia resultar da inversão da direção do olhar: o rosto daqueles que são capazes de sentir sobre si mesmos o olhar enigmático de uma criança, de perceber o que, nesse olhar, existe de inquietante para todas suas certezas e seguranças e, apesar disso, são capazes de permanecer atentos a esse olhar e de se sentirem responsáveis diante de sua ordem: deves abrir, para mim, um espaço no mundo, de forma que eu possa encontrar um lugar e elevar a minha voz!”

Sim.


***


Tive também o privilégio de receber hoje em casa visitas deliciosas. Gostei demais do papo com a Mari, dos sorrisos irresistíveis da Laurinha, das confluências e afluências. Benjamin também se derreteu em sorrisos e babas e bolhinhas de leite e toques nas mãozinhas de sua mais nova amiga.

O Demis chegou, viu a máquina fotográfica ali e perguntou se tínhamos tirado fotos. Ai, que mães desligadas, não? No próximo a gente não esquece.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Rápidas (bem, nem tão rápidas assim)

Falando na chuva que já foi, achei no caderninho que andava perdido por aí (escrito na noite antes do nascimento do Benjamin):

Benjamin e a chuva

Foi numa madrugada de tempestade que descobri que te esperava. E é numa chuvosa que me delicio com a última insônia em silêncio*. Só o barulho da água, e alguns carros passando.
Você parece já gostar da chuva, Benjamin.



* Última insônia, nada. Várias vezes aconteceu de depois de o Benja acordar e logo dormir, eu ficar me revirando na cama, de olhos estatelados, perguntando onde é que se escondeu aquele sono todo da hora que ele acordou. Às vezes Demis me acompanha na insônia. E um dia propôs, depois de umas 2 horas tentando dormir: vamos lá acordar ele? A proposta fez cócegas, confesso.

* A insônia era a última, porque eu sabia que o Benja ia nascer no dia seguinte porque o obstetra tinha induzido o parto e, se mesmo assim o Benjamin não nascesse, seria cesárea. Mas outro dia falo disso com a devida calma.


***


No mesmo caderninho, achei, escrito ano passado numa viagem* quando estava grávida de quase 3 meses:

Os turistas são um saco, e ser turista é um saco. Turista é muito diferente de estrangeiro. Estrangeiro é outro. Turista carrega o mesmo, busca o mesmo e vê o mesmo. Sem se dar conta, o turista destrói o lugar sem ao menos haver estado ali.

Acho que isso diz da diferença entre, além de visitantes, escritas, fotos, recordações... (né, Mari (Rocha)? - vide comentario dela no post das desculpas)

*A viagem também será, oportunamente, assunto por aqui. Eita, viagem difícil. Não recomendo viajar grávida sozinha pra ninguém...


***

Pensei se valia a pena dizer isso e acho que não vale, mas resolvi dizer mesmo assim. É uma questão de quem veio primeiro. Na verdade, foi a Gisele que imitou o nome do meu filho. A Baxinha, que sugeriu o nome, que o diga, né, Ba? Até pensamos em mudar depois que ligaram, tirando sarro, dizendo que o filho da Gisele também se chamaria Benjamin. Mas achamos que seria ceder às influencias mudar só por causa dela.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Poesia

Primeiros: mês, mãe, filho...

Quando Benjamin nasceu eu não tinha lido nenhum livro sobre maternidade ou como criar seu filho ou como fazer dele x, y e z. Isso por um certo receio de ser mãe tecnológica (obrigada pelo termo, Juliano) e por achar que, de um jeito ou de outro, eu ia dar conta. Aliás, pra não mentir, depois de ir ao primeiro pediatra (acabei ficando no segundo, a peregrinação não foi tão longa), comprei pela internet um livro indicado por ele numa das muitas madrugadas insones da gravidez, motivada por um desespero repentino porque, afinal de contas, eu nunca tinha trocado nenhuma fralda na vida e muito menos dado banho em bebê. Um livro simples, que de vez em quando ainda folheio pra tirar alguma dúvida e quando lembro que ele existe.

Mas tirando esse, nenhum outro. E comecei fazendo Benjamin dormir no peito, que era como ele mais facilmente dormia. E a dar o peito a cada vez que ele chorava, porque sempre conseguia achar que ele não tinha mamado tanto mesmo da última vez. E, se ele não dormia no peito ou acordava na hora que eu estava colocando ele no berço, então era colo. Umas 3 ou 4 vezes o dormir no colo, botar no berço, acordar, começar de novo. (quando não era voltar pro peito...) Depois de a pediatra dar uma bronca porque ele estava ganhando peso demais, o peito deixou de ser uma alternativa e começamos a seguir os horários pra mamar. E eu aprendi que choro pode ser cocô, frio, sono... No caso do Benja, quase sempre sono.

Nessa época, uma amiga nossa, pediatra e mãe de 3 filhos, recomendou a tal da encantadora de bebês. Na hora fiquei meio constrangida de dizer que não acreditava muito nessas coisas, achei estranho que ela, que não era leiga, tava me indicando um livro daqueles e achei o nome ridículo. E continuei usando as mais diferentes técnicas de colo pro Benja dormir. E não só de colo.

Se ele dormia ao som de uma música, então das próximas vezes era repeat ad infinitum até ninguém agüentar mais e o Benja não dormir mais com aquela música mesmo. Buscávamos outra. (As mais ouvidas foram El reparador de sueños, do Silvio Rodriguez, Meu neném, Palavra Cantada básico e toda a Caixinha Brasileira, além do MPBaby, que veio um pouco mais tarde de presente). E um chacoalha de um jeito, move do outro, shhhh no ritmo da música... A gente chegou a ficar, mais de uma vez, até 5 horas tentando fazer o Benja dormir. Dava aquele desespero de parar o processo pra dar de mamar porque já tava na hora, mas tinha a esperança de que na mamada ele dormisse. E dava desespero também olhar pela janela e ver a vida das pessoas no prédio da frente acontecendo e nós aqui no rodízio de colos. E o Benjamin sofrendo.

E tinha também o lado místico. Tentar a mesma posição, o mesmo horário, o mesmo balançar, o mesmo jeito de colocar o cobertor. E outras explicações: cólica, dor de ouvido, sei lá o que mais. E a raiva furibunda de quem ligava exatamente no momento em que a gente tava colocando ele no berço, e ele acordava de novo, e mais uma vez o processo (quase sempre ao som, além da música da vez, de muito choro). Acho que o coitado dormia era de exaustão...

Depois veio o secador de cabelos. Descobrimos que o barulho acalmava, e então era todo um ritual de começar com a potência máxima, diminuir, e depois que ele já tava deitado, deixar um tempo o secador pra fora do quarto pra, só quando era certeza que ele já tava em sono profundo, puxar da tomada. Imagine a conta de luz.

Nessa época, a gente já tava aderindo à chupeta, que no começo eu era contra (oh, quanta pretensão e ingenuidade!) e ainda estávamos tentando tirar o dedão da boca quando ele queria chupar. Ele devia estar com um mês e pouco. Mas mesmo assim eu passava o dia todo em função dele, me sentindo heroína e achando que estava fazendo por meu filho o melhor por ele, porque sacrifício e benefício eram diretamente proporcionais na minha cabeça de mãe culpada de primeira viagem (imagino que, no segundo filho, só o segundo predicado vá embora, não?).

E então, em outra madrugada de desespero, comprei pela internet a encantadora, depois de admitir pra mim mesma que não era normal ele dormir por 15 minutos e acordar inúmeras vezes ao dia, e depois que meu cansaço assim exigiu.

Eu devorei o livro.

Achei que não tinha capacidade de ler pelo cansaço, mas eu esperava ansiosamente a hora do Benja dormir pra atacá-lo. Venci meus preconceitos e a cara de Bush do bebê da capa e fiquei impressionada que ela falava exatamente as minhas dúvidas! Não aderi ao teste pra classificar bebês nem ao E.A.S.Y. ao pé das letras (
E.A.S.Y uma O.V.A.!), mas que a vida melhorou depois da encantadora, melhorou. A do Benjamin, principalmente.

E depois veio o Nana, Nenê, junto com a culpa na forma de porque-eu-não-fiz-isso-antes somada à sensação de ser profundamente influenciável e à culpa na forma de se-ele-tiver-algum-problema-é-porque eu fiquei mudando de método.

Então chegamos ao ponto que motivou esse post. (demorou, né?)

E conto a história de uma amiga querida, que não digo o nome porque não sei se ela deixa, mãe de um filho gostoso e cheiroso, que choraram, ambos, de puro desespero e falta de sentido, horas a fio até que ela ligou pro pai, que estava de plantão, pra ele vir socorrê-los. Quando ela me contou, parecia que não conseguia encontrar nenhum lado bom no que tinha acontecido. E eu disse: mas era você vivendo aquilo com ele. Sem pensar que isso me serviria a mim mesma de sentido mais tarde. Não estou tentando achar desculpas, nem digo que aqueles dias foram deliciosos pra ninguém, mas era eu, na minha ingenuidade, crueza de mãe crua, junto, junto, bem junto com o Benjamin, na sua crueza de ser vivo. E o Demis, que viveu tudo também. Estávamos ali, cada um, inteiros para cada outro de nós. Falíveis, novos, ingênuos, mas com vontade, e principalmente, éramos Benjamin, Demis, Natalia.




*Juliano Garcia Pessanha, do Certeza do Agora e das pessoas detrás das nuvens.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Benjamin desde a chuva

Esse dia chuvoso...

Benjamin, antes de ser Benjamin, já gostava da chuva.

Descobri que estava grávida numa madrugada chuvosa. Tinha comprado o teste à noite e estava esperando o primeiro xixi do dia. Acordei umas 3, 4 da manhã com um barulho de chuva forte na janela, um barulho que assustava. Corremos pra ver se tudo estava fechado e o Demis voltou pra cama. Eu não. Meio sonolenta, vi o sinalzinho do positivo. Vertigem. Uma tal de felicidade desesperada, pasmada. Nem sei se ali chamava ainda felicidade. Fui pro quarto contar pro Demis. Silêncio. E o significado daquele silêncio, só depois entendemos (ou chegamos perto disso).

No dia do nascimento do Benjamin também chovia. Lembra aquele calor insuportável que fazia no começo do ano? Foi o final da minha gravidez. Na terça-feira, dia 6 de abril de 2010, o tempo virou, e amanheceu chovendo. Chovendo muito. Só poderia ser naquele dia. E foi.

(no meio disso que eu escrevia, o Benja acordou, ou melhor, não dormiu, e brincamos na sala, e troquei a fralda, e cantei pra ele, e coloquei de novo no berço... e agora já faz sol.)

domingo, 15 de agosto de 2010

Desfarrapando as desculpas

E por que, se tanta ânsia havia, a idéia do blog não saiu do papel pra tela? (O mais correto seria: a idéia de escrever não entrou no papel nem na tela?)

Tenho uma gama de desculpas prontas pra me responder. Primeira: a minha profissão, que pede no mínimo discrição. Desculpa inabalável, de tão boa eu poderia parar por aí e ninguém suspeitaria se tratar de um desvio. Psiquiatras não devem sair gritando aos quatro cantos seus dilemas, seus minutos, seus avessos. Mas decidi me esconder (mais ou menos como as emas se escondem) atrás de um nome sem sobrenome. Pronto.

A outra desculpa que me perseguia e ainda ronda por aqui, vem de uma frase que li lá na Náusea, aquela mesma, do Sartre. “Ou se vive, ou se narra”. Algo do tipo. Me dá medo a possibilidade de misturar os dois e passar a viver para narrar, sabe? No instante mesmo em que, vamos dizer, o Benjamin está dando sua primeira virada no chão, eu lonjo dali pra qual seria a melhor frase pra descrever aquele exato momento. E lá se foi o momento. Em se tratando de filho, a preciosidade é muita pra correr o risco de deixar escapar. E se o registro escrito firma de um jeito, esquece de outro bem mais essencial. Mais ou menos como fotos de viagens (quando a gente ainda as revelava na volta): no começo, folhear o álbum era trazer a viagem mesma pra junto, mas com o tempo aquilo ia ficando sem graça porque faltava justamente a lacuna entre uma foto e outra. Até que a memória da viagem virava a memória das fotos. Taí o medo.

(Lembrei agora de uma viagem que fiz há alguns anos pra Argentina com a querida Lê, e perdemos a máquina fotográfica enquanto rumávamos mais para o sul. Passou que me vi diante do Glaciar Perito Moreno sem máquina pra fotografar, e não sabia muito bem como me portar diante daquilo sem a possibilidade de registrar, guardar pra depois, mesmo estando ali, bem na minha frente, o que eu queria ver. Era muito. E a fotografia emolduraria a memória num futuro, não é?)

Com filho, a vontade de fotografar, escrever, filmar, contar e afins talvez seja ainda maior por causa da certeza vertiginosa de que aquilo é único, incrível, preciosíssimo e fugaz, extremamente fugaz. Que mãe ou pai nunca ouviu aquele: aproveita que passa rápido!?
(E então a ambigüidade de desejar ver Benjamin falando, andando, perguntando –: crescendo, junto com desejar que ele seja sempre esse bebê que mama no peito e cabe no colo).

Ufa. Parece que agora, comecei.

Mais motivos

10 a zero pro assistente de design do blogger. Levei uns minutos pra escrever o post e horas, horas mesmo, pra tentar, sem conseguir, deixar bonitinhas as cores, fundos, etc. Tanto que ia escrever mais e desisti, não sou acostumada a ficar tanto tempo no computador e meu olho já ardia.

Lembrei de outro motivo pra eu escrever. É que sexta-feira terminei de ler o primeiro livro depois do nascimento do Benjamin. Era Agosto, do Rubem Fonseca. Tinha que ser um desses livros de não conseguir desgrudar pra preferir ele a dormir. E deu certo. (Que livro!)

Mais um passo pra eu voltar a me sentir uma pessoa normal. E o motivo é: quem tem tempo pra ler, tem tempo pra escrever.

sábado, 14 de agosto de 2010

Porquê.

Ele dorme. Marido e sogra saíram e fiquei aqui, resguardando de longe o sono do Benjamin, com o silêncio de presente pra deixar brotar de novo antigas inquietações. Que, não há como não dizer, estão miúdas, inofensivas, parecendo voz de criança brincando na rua que se escuta lá longe quando estamos dentro de casa. Porque desde que virei mãe, esse estado eterno iniciado ocupou lugares antes vazios, vazios mesmo, cheios de possibilidades e então, pratos cheios pras tais inquietações. É por isso que eu agora escrevo não em resposta a ímpetos, urgências, aspirações, mas pelo simples desejo de registrar e dividir. Numa serenidade desconhecida até o dia 6 de abril de 2010.

Escrevo também porque, desde a gravidez, comecei a fuçar os blogs das mamis, primeiro de longe, passando a vista, e, num crescendo pra mim impressionante, agora entrando quase todos os dias e com uma ponta de decepção quando não teve post. Ou, chegando de viagem, feliz de entrar nos meus preferidos e ver que tem vários posts que saboreio devagazinho, pra num acabar rápido. Então eu me sinto como se estivesse me escondendo, roubando no jogo, lendo sem escrever nada, recebendo ser dar.

Vambora tentar, e depois a gente vê no que dá.
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