terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ela

Entrando no carro, se flagrou passeando com o pensamento em obscenidades. Primeiro assustada e um pouco envergonhada, depois até com boas vindas a visitante agora tão raro. O desejo. Obscenidades? Não, isso seria muito. Talvez, o desejo de desejar.

Ia a uma festa. Não se recorda de quando fora à última. Agora, seu filho dorme, e sua mãe ficou com a tarefa de cuidá-lo.

Cada gesto do vestir-se já se ensaiava em significados. A roupa que não serve, a roupa que usou naquela remota vez, o cabelo que quer arrumar diferente. Assim? Assim? Não. Ela, que era antes bonita. Que se sentia ferver de vontades, tantas e alheias. E, diante do espelho, testando penteados, recebeu bem leve o calor dos desejos em forma de lembrança. Que passeou, e se apaixonou em vontade. Lembrada, ainda.

Saudades, ela disse. E sentiu, escolhendo que música escutaria no caminho.

No caminho, percorreu com mais nome àquilo que a visitava. Ao som de músicas de antes, pensou em quem poderia estar na festa. Já com nostalgia. Pretendendo interesse que já faltava no impossível de um futuro. E a música: dane-se. Seja o que for. Vontade, vontade de se apaixonar.

Chegando à festa, pessoas conhecidas. Sorrisos necessários que queria sinceros. Não avistava o marido, que estaria lá.

Andou pelos cantos. Pra falar, espremia os dias em busca de assuntos que pudessem interessar. Como você tá?, bem, filho, sono, filho. Você viu meu marido? Tava aqui agora, acabou de sair. De novo. De novo.

A essas alturas, o desejo aquele todo tinha se convertido em um: encontrá-lo na festa. Conversava com o rabicho do olho procurando. Perguntava outra vez. Nossa, mas vocês num se encontraram? Ele tava aqui agorinha!

Até que se trombaram. Num alívio de água matando sede, se abraçaram. Abraço longo, beijado. Como de há tempos.

Passaram a festa deliciosamente juntos.

Ela voltou mais cedo. Na volta, dirigia em silêncio. Sentiu vazia a cama.

Entendia: o apaixonar-se de que estava prestes tinha achado o melhor rumo de todos. O único possível. O marido.



7 comentários:

Maria Thereza Pinel disse...

Preciso dizer?
Adoro seus textos!

Escreve bem do estilo que eu mais gostava de ler (e analisar) na escola! =D

Beijo!

Anne disse...

E ela e ele e o filho são lindos!
Bjos

Martha disse...

Natalia, seus textos (otemos, diga-se de passagem) sempre me fazem para e pensar!
Aff!
Bjnhos

Ilana disse...

Ai Nati, já tinha lido mas ainda não tinha tipo tempo de comentar.
Nossa, o desejo. Como ele muda depois da maternidade, né? Se já era evanescente, tenho a impressão de que se torna mais ainda.
E como é bom e bonito esse momento em que o desejo sai do desejo-do-filho e volta a ser o nosso desejo, livre pra desejar o que quiser, pelo menos até a próxima mamada.
E desejo-de-festa e desejo-de-marido são ótimos pra recomeçar a desejar mesmo.
Vixi, fui longe...
Beijos pra vc. Vamos combinar por email? acho mais fácil...

Carol disse...

Eu li esse post a mais tempo, mas na pressa nem comentei... Ah! Mãe e mulher, né? Esse negócio de companheiro é o que há!

Dani, a Mãe da Flor disse...

O marido, depois da chegada do filho, toma uma proporção inimaginável na nossa vida, né?
O meu que já era muito importante, passou a ser indispens[avel...
Não é uma relação de dependência, mas uma nova e intensa relação de amor.
Agora ser pai da minha filha muda tudo. Para melhor e maior...
Como sempre, lindo texto!!
Bjs!!

ligiaximenes disse...

Sacanagem isso! Você fica lendo dentro da gente, é? :) Um beijo da Ligia, mãe da Cora (não stalker, sim fã)

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