terça-feira, 16 de novembro de 2010

A eternidade desdentada

Estávamos os três no parque uma tarde dessas quando a luz que chegava até nós, toda enzebrada das plantas que atravessava, iluminou não só o que acontecia ali, mas também outros tempos.

Era uma tarde fria, e os sorrisos agasalhados do Benjamín, sentadinho no chão, rodeado de árvores, me trouxeram abrupta uma sensação que mesclava conforto e desconforto. O primeiro, por vê-lo ali, perto de nós, todos os três brincando juntos, numa alegria que só poderia mesmo acontecer à tarde. E o segundo, um desconforto almofadado, dor que aconchega: uma saudade de outros tempos. Porque seu sorriso banguela me arremessou numa foto desdentada pendurada há anos no porta-retrato; meu próprio sorriso de bebê era quem sorria o mesmo sorriso do meu filho, tão potente na sua singeleza que abre até os portais do tempo.

Naquele instante, eu não me via apenas mãe de Benjamín; eu me devia aquele momento à criança que fui, cruzando gerações e inventando eternidades. Ele continuava sorrindo, trazendo momento a momento o que fui no feliz que sua boca anunciava.

E, continuando a sorrir, singelamente trazia, também, seu adulto futuro. Trazia no aberto da boca o sorriso de seu filho, meu neto, através do olhar que também o olhará sorrindo, sorrindo. E assim nos encontraríamos todos, os que somos, os que fomos e os que seremos, no repetir-se dum sorriso de criança, capaz de condensar tempos num sempre eterno agora.

Eu chorava sem acordes na tarde fria, sem lágrimas, atônita diante da disposição generosa daquele milagre, e sorria ainda o mesmo sorriso de 29 anos atrás. Que se repetirá quando eu for novamente desdentada, exibindo nas gengivas banguelas todos os sorrisos de uma vida.

***

(Devo a percepção deste milagre ao tempo de agora, fins de ano, que sempre me põem num molhado de viver, e a outro adorável intruso que, anunciado ali, se trouxe também pra cá.)

11 comentários:

Marina disse...

Natália, quero te pedir um favor. Faça do seu blog um livro, nem que seja por conta própria, e me venda um exemplar. Quero essas palavras todas na cabeceira da minha cama. COmo diria minha filha, seu texto está ESTUPENDO!

PS: Passando o show do Paul neste fim de semana (quando receberei várias visitas) precisamos marcar nosso encontro.

Sarah disse...

Ma-ra-vi-lho-so. Também senti a mesma coisa depois de ler o post da Nina lá no Mãe Solteira, sentimento esse que foi multiplicado por mil após ler seu post.
E faço minhas as palavras da Nina aí em cima: por favor, publique um livro. E lembre de avisar as amigas blogueiras do lançamento e da noite (ou tarde) de autógrafos.
beijo grande

Anônimo disse...

Olá Natália,

Que texto lindo. Puxa... me fez pensar um montão, eu que chego aos 30 essa semana.
Que o sorriso de Benjamin te inspire sempre e te revele cada vez mais sobre os mistérios da vida.
bjos,
Fabi (faby.rod@bol.com.br)

Anne disse...

Lindo para variar!
Lindo a gente se ver nos filhos!
Lindo a gente começar e terminar a vida sem dentes... ai, ai, essa linha do tempo, essas heranças...
Concordo com a Marina, hã!
Bjos

Camila disse...

Que lindo.... é muito legal a gente ver a vida dessa maneira e através das suas palavras, então... Olha, pode guardar um exemplar desse livro pra mim, hein?!
Bjos,
Camila
http://mamaetaocupada.blogspot.com

Maria Thereza Pinel disse...

Os filhos nos levam a reviver nosso passado para usarmos de nossas experiências como filho para aprendermos a experimentar ser mãe!

Lindo o texto, como sempre!
(faltou só a foto do Benjamin sentado no chão rodeado pelas árvores!

Beijo!

Kah disse...

Chorei, pronto! Fiquei sem palavras.
Vou soluçar baixinho para não acordar a cria.
Beijão!

Renata disse...

eita, como a gente pensa e pensa nessas épocas, nao?
lindo texto.
Que sensibilidade e doçura em pesos e medidas perfeitos você tem! Lindo.

Beijaoooo

p.s. a palavra para verificação do meu comment deu BRESTS, com mais um A = BREASTS = a mama em inglês que não se conteve e teve que se manifestar....rs. Sugestivo?

Priscila Blazko disse...

Olá, Natália. Não conhecia seu blog e cheguei nele através da indicação da Anne... Lindo lindo. Como boa professora de portugûes, adoro descobrir pessoas que sabem se expressar tão bem através da escrita. Parabéns! Já virei fã-seguidora!
Abraço da Priscila.

Anônimo disse...

nati, voltei depois de várias semanas a seu blog, e é delicioso. amei esse post, e é lindo como a gente pode perpetuar alguém e faz perpetuar a gente mesma nesse mundo.
beijos e muitas saudades de vocês.
ma colo

Dani, a Mãe da Flor disse...

Escrevi alguma coisa parecida com isso tb!!
É incrível se reconhecer neste ser que amamos tanto!!
Só faltou a foto do momento!! Linda!!
Bjs!

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