terça-feira, 23 de novembro de 2010

Paul, Benja; Benja, Paul!


Benjamín,

Há alguns já muitos anos, quando a mamãe era ainda uma menina, ela descobriu um CD na casa do vô Tuta e da vó Clá, onde ela morava. Naquela época, o vô Tuta e a vó Clá viviam numa mesma casa porque ainda não tinham escolhido viver suas vidas cada um do seu jeito, e as pessoas estavam começando a escutar CDs, que são umas rodelas brilhantes que vêm numa capa de plástico e que a gente coloca num aparelho específico pra escutar música. Aqui na sala da nossa casa tem um monte de CDs, mas quando você estiver maior eu não sei se eles ainda vão existir ou se você vai se lembrar deles, mesmo adorando, hoje em dia, morder aquelas coloridas capas de plástico. Mas como a mamãe ia dizendo, ainda menina ela descobriu um CD que foi o primeiro encantamento musical da sua vida. Past Masters volume II, era o nome dele, e a mamãe deitava no sofá ao lado do único toca CDs da casa e ouvia, ouvia, ouvia deliciada, uma vez, outra vez, e outra, até adormecer. Aquelas músicas eram tão perfeitas que a mamãe se surpreendeu quando descobriu que havia outros discos dos mesmos caras, e tão incríveis quanto. Os discos vieram antes dos CDs, Benja, e quando você for maior, esses sim você só deve encontrar em museu. Mas escutando disco, ou CD ou até arquivo a mamãe se surpreendeu com eles ainda um monte de vezes ao longo das suas épocas, e continuou surpresa quando percebeu que eles tinham mesmo músicas pra todo tipo de momento da vida de uma pessoa, como uma bíblia musical espalhada no tempo através de acordes musicais, ritmo e palavras. Bíblia, Benja, no sentido de algo que contém significados muito importantes e que podem eternamente se revelar, esconder e renovar (como aquele livro que a mamãe abraçou ao acabar de ler chamado Grande Sertão: Veredas). Então a juventude toda da mamãe foi marcada por diferentes músicas daqueles quatro caras, e sempre que ela escuta algumas delas, se emociona e às vezes até chora de saudade. Porque a mamãe tem hoje 29 anos, Benja, mas uma nostalgia de quem tivesse 83. E também porque sabe que aquelas músicas foram importantes pra muita gente que veio antes dela, como o vô Tuta, a vó Clá e todos os amigos que eles tinham antes. E sabe que é cada vez mais difícil as coisas durarem, principalmente a ponto de atravessar gerações, e quando isso acontece, existe a chance da coisa ser muito, muito boa.
Hoje a mamãe passou o dia todo muito cansada, você deve ter percebido, mas foi por um motivo que valeu a pena. É que ontem ela dormiu tarde e muito alegre. Ontem, ela teve o privilégio de escutar um daqueles quatro caras tocando e cantando na frente dela (mesmo que pequenininho, lá longe), e ela gritou, cantou, dançou, pulou e se emocionou um montão. E enquanto a mamãe nascia, crescia e ia se emocionando com as músicas daqueles quatro, o tempo passava praquele ali de ontem também, e então ali no palco quem estava era já um senhor. Sir Paul. Pros outros três o tempo também passou; pra dois deles o tempo passou tanto que terminou e eles morreram. Isso acontece com todo mundo um dia, meu Benja, e talvez seja por isso que muita gente tentava filmar ou fotografar aquele senhor cantando ao invés de simplesmente curtir ele ali, porque é muito difícil, filho, aceitar que a vida são só esses instantes que acabam, irrecuperáveis e irreprodutíveis, como que anunciando diariamente a morte futura de cada um. E é nesses instantezinhos que a gente tem a oportunidade de dobrar o tempo e se encontrar com outros destinos que a gente sonhava noutros dias, como na música que sir Paul cantava praquele mar de gente, que cantava e pulava junto, quando a mamãe, também cantando e pulando, voltou pro sofá ao lado do toca CDs onde ela descobriu, anos antes, aquela mesma melodia, e reviu através de um arrepio cada momento que separava o sofá que não existe mais do pulo que ela pulava agora. E a mamãe achou um barato, do lado dela, cantando de cor todas as músicas, uns meninos com pouco mais que a idade dela quando descobriu aquele CD, e imaginou que barato maior ainda pros ainda mais velhos que viam a mamãe, os meninos e toda aquela gente cantando de cor as músicas que trilharam a juventude deles. Como eu disse, Benja, pra uma coisa durar assim e atravessar gerações, modas e tecnologias, alguma coisa de muito especial ela tem. E tinha ainda lá ontem à noite, mesmo a mamãe não conseguindo evitar de pensar que difícil deve ser a vida do Sir Paul, que em nome da juventude de todo aquele mar de gente teve que ficar aprisionado na sua própria. Mas isso não é problema, Benja, porque in the end the love you take is equal to the love you makeE aí a mamãe entende duas coisas: o amor que se recebe é igual, como numa equação, ao que se faz; e o amor que se recebe é, ele mesmo, o que se dá.
Tá vendo, meu Benjamín, meu amor?

16 comentários:

Anônimo disse...

Olá Natália,

Certamente Benjamin, quando ler este texto no futuro, poderá compreender bastante sobre a importância desses 4 caras e o que eles representaram para gerações.
Você tem uma linda capacidade de transformar em textos percepções e reflexões que vêm do coração. Acho que essa é uma das condições para um grande escritor.


bjos,

Fabi (faby.rod@bol.com.br)

Ferna disse...

Ah Natália!
passei aqui correndo pra te ler!
Que loucura tudo isso né? Eu fiquei tão mexida que nem consegui expressar em muitas palavras tudo que senti durante o show. Até porque, como tu bem descreveu, passou um filminho da minha vida, desde pequenininha, com o acréscimo de cenas imaginadas a partir de fotos e histórias dos meus pais, meus tios e tantos outros ídolos e amigos.

E a nostalgia? Ah, eu sinto saudades da década de 60, como pode uma coisa dessas?

beijocas felizes em compartilhar isso contigo!

Camila disse...

Que post lindo! Adorei como vc "apresentou" todo esse fenômeno incrível e maravilhoso para o Benjamin. Eu tbem estava no show ontem, tenho a sua idade, não vivi a Beatlemania, mas conheci e curti mto assim como vc, através dos meus pais. E ter estado lá no show foi indescritível mesmo! Parabéns, o seu texto está o máximo!!
Bjos,
Camila
www.mamaetaocupada.blogspot.com

Camilla disse...

Nat, me delicio muito lendo seu blog. E a saudade fica cada vez maior!

Mari disse...

Lindo lindo lindo seu texto.
E eu, que nem sou lá grande fã do cara (lacuna cultural, eu sei!), fiquei doidinha pra ter visto...
beijo!

Marina disse...

Maravilhoso texto (já estou ficando repetitiva).

Aqui em casa minha pequena é já bem íntima do "Paulma". Ficou chateadíssima de ter sido excluída do programa.

Eu ainda estou digerindo todas as emoções vividas... Daqui a pouco sai alguma coisa também.

Dani, a Mãe da Flor disse...

Que bom ver que este show te trouxe um brilho, uma renovada, um ânimo!!!
Isso é muito gostoso, né?
Bjs!!

Mari Rocha disse...

Nati, li e reli várias vezes o texto. que delícia. fui no show também, por pura sorte. que sorte! tô com tanto sono agora que não sei o que te escrever... mas só queria dizer que gostei muito do post. beijo! e você vem aqui em casa na baladinha, né?

Sarah disse...

Mais um texto maravilhoso... E repito aqui o dito pela Mari, nem sou fã do Paul, mas depois do seu texto, resolvi que vou apresentar Bento a esses quatro caras.
bjos

Anne disse...

ah, mas esse fenômeno merecia mesmo um post a altura! demaisss
Bjos

Naiara Krauspenhar disse...

Incrível como você consegue me emocionar.
Uma frase em especial me marcou:
"E sabe que é cada vez mais difícil as coisas durarem, principalmente a ponto de atravessar gerações, e quando isso acontece, existe a chance da coisa ser muito, muito boa."
Isso é tão fato. E tão poético.
BJo

ian.press comunicação disse...

adorei o que escreveu. tudo o que escreve, toca a alma, sempre. sei que não comento muito, mas estou sempre por aqui.

beijo!

Mariane disse...

Acabei de encontrar este blog, estou chorando com este texto e querendo tanto que ele tivesse sido escrito por mim :-)
Porque também estou grávida, porque também fui grávida assistir ao show de Sir Paul, e também descobri os Beatles criança, influenciada pelo meu pai (que estava comigo lá no show). Eu tinha dito no Twitter que de nada me adiantavam todos os anos de estudo, leitura e idiomas, porque eu não conseguia descrever o que tinha sido a noite de 21/11 para mim, nenhuma palavra que eu conheço fazia justiça ao que senti.
Ainda bem que achei seu texto, e estou me apossando dele um pouquinho, tá?
Um grande abraço,

Mariane - Brasília

Dmis disse...

me toca falar aqui que lhe devo ao Benja uns textos sobre Metallica, e Rage Against the Machine e Massive Attack e Fito Paez... que historicamente não são tão importante pro mundo, mas eles são SIM!!! e até porque pra ter ido nesses shows você teve que ficar em casinha com o Benja, como agora eu fiquei com ele pra você ir no Paul...

Priscila Blazko disse...

Lindo lindo, Natalia.
Seus textos me fazem querer ser uma pessoa melhor. Obrigada.
Priscila.

Dani, a Mãe da Flor disse...

Natalia,
Vou privatizar o blog da MF e fazer um meu para interagir com mamães, mas quem já participa lá não quero deixar de fora!!
Se quiser acompanhar o crescimento da pequena me manda um email para cadastrar!!
danilopez14@gmail.com
O link do novo blog:
http://jardimdeamores.blogspot.com/
Passa lá para conhecer e te convido para fazer parte do Sementinha Especial, que criei lá, vou adorar se quiser!!
Bjs!!

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