sábado, 18 de setembro de 2010

Dias de mãe, dias de filho

Os dias que antecedem um nascimento são mágicos. Tudo ainda está igual, mas prestes a ser virado do avesso. É uma espera que acontece em cada detalhe e no leito de mundo em que se dá cada gesto. Gesto: em uma das línguas, portar e trazer. Quando se gesta com o corpo, cada movimento, pensar, dizer, carrega o que será trazido pelo mesmo gestar. Traz o que cresce em forma de gesto na barriga. Porque o futuro, aí, nunca esteve tão condensado e palpável. Dentro. Vivo. Dando chutes, cabeçadas e cotoveladas.
O nascimento é uma explosão. Não importa o preparo. Haverá estilhaçamento: da calmaria, da expectativa, da passagem. Um estilhaçar absurdamente feliz, no nosso caso.
A saída de casa para a maternidade é uma saída bem mais ampla. É uma saída do comum, dos dias que já se conhecem, da casa como era até então, e principalmente de si mesmo. (Fico pensando em como seria o parto em casa. Pra mim, a saída foi essencial. Até pelo voltar e encontrar tudo tão igual e tão, tão diferente.)
Escutar o choro do meu filho pela primeira vez foi o que de mais intenso senti na vida. Eu chorava também com todo o meu corpo, e hoje sei: chorava o mesmo choro dele, que ele ali mesmo me ensinava. As horas que se seguiram foram de êxtase. Os dias, também. Admiro quem escolhe ter filho em casa, mas a maternidade (hospital) pra mim foi incrível. Até a dor que me vergava pra frente cabia naquilo que acontecia. Eu não conhecia, até então, felicidade tão incondicional, tão imensa e ao mesmo tempo tão comum. Como se aquele inédito fosse expressão da convergência de cada momento meu anterior e por isso, mesmo inédito, estranhamente reconhecível. Deve ser isso o que acontece quando vamos de encontro ao nosso próprio destino.
E foi imersos em tamanha felicidade que deixamos o hospital. Já no caminho pra casa a felicidade foi tomando outras formas, nem tão contentes. Benjamin fez cocô no caminho, e o cocô vazou da fralda pra toda roupa dele, e eu não tinha outra coisa que fazer, ali no carro, que não cantar, tentar distrai-lo do seu incômodo, tentar me distrair do meu desespero e escutar seu choro agudo e dolorido.
Chegamos em casa (a primeira vez do Benjamin em sua casa) com a tarefa de limpar aquela criaturinha chorante de todo aquele cocô espalhado. Era muito, e achamos que dar um banho seria melhor e até quem sabe o acalmasse. Doce ilusão. O preparo do banho já foi um deusnosacuda (com direito a mangueira da banheira esguichando água pelo banheiro todo), e o banho em si também. Nunca foi tão drástico e decisivo abrir o aluminiozinho do tubo de hipoglos ou entender qual o mecanismo de saída daquela embalagem de sabonete líquido.
Os dias que se seguiram trouxeram desespero semelhante. Tanto amor e tamanha fragilidade, conjugados com meu desejo de cuidar como cria ser a melhor forma, me faziam prever que nunca mais eu teria um momento que pudesse chamar de meu. Que nunca mais dormiria mais de três horas seguidas. Que nunca mais tomaria um banho sem tentar escutar, por entre o barulho da água, alguma manifestação de choro.
Nessa época, quando via uma grávida na rua (nas poucas vezes em que botava os pés na rua), pensava inevitavelmente que ela não sabia o que a esperava. Olhava pra cara de felicidade dela e pensava, coitada. Olhava também pras pessoas andando e fazia cálculos mentais tranqüilizadores: essas pessoas já foram bebês. Os pais delas hoje nem sabem que elas estão aqui nessa calçada. Eles devem ter uma vida “normal”, então. Então um dia eu também vou ter.
E as horas, as mamadas, os dias, as dormidas foram passando. Eu fui aprendendo a conhecer Benjamin, ele foi aprendendo a conhecer o mundo. E, de alguma maneira, imperceptivelmente, as coisas foram se ajeitando. E de repente eu me vi vivendo uma vida “normal”. (Bom, quase normal.) E ainda por cima, com Benjamin. Foi um daqueles momentos em que se é feliz duplamente, por ser e por se saber.
E que se estende até este momento em que teclo estas palavras. Não que a vida seja igual o que era antes. Isso seria impossível. A vida cresceu. Não pelas possibilidades cotidianas, mas pelo que cada possibilidade significa agora. Tudo ganhou outra tonalidade, outra importância.
(É por isso que nesta noite de sábado faço o que mais desejaria estar fazendo agora: escrever, enquanto escuto o silêncio e sua música quieta vindo do quarto do Benjamin.)
Continua...
(cotidianamente)

6 comentários:

Ferna disse...

Que lindo Natália.
Fico imaginando e me emociono com todo esse amor.
Me emociono por tudo isso que me dá tanto medo e me atrai tanto.

Carol disse...

Aiai, tomara que eu possa feliz experimentar isso tudo um dia. Rá!

LILITH disse...

Oi Natalia, tudo bem? Quem me indicou seu blog foi o Nichan. Meu nome é Cristina, sou mãe do Chico, psicóloga, doula, fabricante de slings...hehe e blogueira! Adorei seu blog, vc escreve lindamente. Dê uma olhada nos meus também:
causosdochico.blogspot.com
lojalilith.blogspot.com

Beijos!
Cris

Laura disse...

Natália,
Obrigada pelo elogio a Clara e ao blog !!!

Passei pra dizer que estou AMANDO seu blog. Seus textos são ótimos, emocionantes e refletem exatamente o que a gente sente ?!?!?!

PARABÉNS !!!!!

Ps: to esperando vc no LARANJEIRAS (temos serviço delivery para facilitar a vida das mamães )

bj

LILITH disse...

Prazer é todo nosso! Esperamos um dia, quem sabe, nos conhecer pessoalmente, (ou melhor, ao vivo!) porque isso a blogosfera feminina dá um show de exemplo!

Bjs com carinho,
Cris, do Chico, e da LILITH

Dani, a Mãe da Flor disse...

Oi Natália!!
Não perco mais seus posts e sempre que leio me identifico com seus sentimentos e me emociono...
Muito lindo, pra variar, este post!!!
Beijos carinhosos!!
Dani.

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