terça-feira, 14 de setembro de 2010

O prédio da frente (ou uma janela indiscreta)

Quando Benjamin tinha suas poucas semanas, um lugar da casa muito freqüentado pelo colo da vez era a frente da janela da sala. No intervalo de depois da mamada ou no tempo de fazer dormir ou acalmar, lá ficávamos, olhando pra longe (sim, a janela aqui oferece tamanha regalia nos céus ocupados desta cidade cinza) ou pra perto, mais precisamente pro prédio da frente.

Lá ficava eu, Benjamin no colo, horas a fio, com as pernas um pouco afastadas e aquele balanço praláepracá no corpo (há que se dizer que o tal balanço foi flagrado se insistindo em situações equívocas, como elevador, conversa ao telefone, filas de espera variadas, etceteras mil, situações em que os braços estavam desocupados). E, indiscrições janeleiras à parte, fui me apegando mais e mais à fachada, às cortinas, luzes e habitantes do prédio da frente, com seus contornos e hábitos que se tornavam familiares.

Eu contava os andares, adivinhava acenderes de luzes, movimentos, rotinas. Graças ao binóculo à minha visão de lince, acompanhava as horas da senhora do último andar, sentada na poltrona, carretel de lã caindo dos joelhos. E adivinhava o significado dos gestos da conversa do casal do sétimo. Bisbilhotava o que assistia o morador do quinto andar enquanto se empenhava na monotonia de uma bicicleta ergométrica; sorria com as crianças do primeiro, que brincavam enquanto o pai pintava telas no quarto ao lado.

Nas madrugadas, me sentia solitária. O décimo primeiro às vezes dormia tarde, mas às quatro da manhã, mais ninguém. Só aos finais de semana, quando eu adivinhava meias-luzes nas frestas das persianas abaixadas. Quando tudo escurecia, eu buscava no longe qualquer luz de outro prédio, implorando pra me dizer que eu não era a única criatura (além dos outros moradores desta casa) que àquela hora não dormia. (Poxa, eu pensava, não tem mais nenhum bebê na região? Ou será que tem e o meu amado Benjamin é o único da cidade que ainda não dorme a noite toda?)

E os dias foram passando e o amado Benjamin crescendo e o mosaico de luzes do prédio da frente (caleidoscópio disperso no tempo) ficando por ali do outro lado da rua, e nós deste lado de cá, cada vez menos na janela. E menos. E menos. Menos.

Até eu me perceber, olhando de relance a família do sexto na mesa de jantar, saboreando uma certa saudade daqueles companheiros mudos. Uma nostalgia de ter o Benjamin nos braços por tanto tempo. Pequenininho, acalorado no meu balançar, enquanto imaginava o cachecol que se formava pelas mãos da senhora do último.

E nos dias frios que nos visitaram, quando andava por aí na rua, mirava cada senhorinha de cachecol das redondezas com olhos de quem sabe a trama daqueles tecidos.


***

Comemoração bem modesta mas bem contente, envergonhada de pequena, admirada dos queridos blogs aniversariantes de verdade: hoje o leite e prosa faz um mês!

14 comentários:

Carol disse...

parabéns pela data!
tem que comemorar mesmo, é uma data importante!

eu lembro que comemorei 35 visitantes logo qdo comecei meu blog, hihihih! acho super válido.

e, como sempre, lindo texto: fiquei imaginando cada um dos seus saudosos companheiros de cotidiano.

um beijão

Mari disse...

minha janela só dá para vizinho cheios de penas: maritacas, sabiás e uns pardais pequetitos. é lindo, mas um pouco menos interessante que a sua vista...
parabéns pelo primeiro mês!
beijo

Dani, a Mãe da Flor disse...

Um mês MARAVILHOSO!!!
Suas palavras são um presente!!
E o Amor de Maria Flor tem tímidos 15 dias!!!
Parabéns e mil beijos em vc e no Benja!
Com carinho,
Dani e Maria Flor!

Anônimo disse...

Talvez um filho, talvez um teste, certamente uma vida. Uma vez em um texto seu uma dúvida quanto a estética, cada vez mais compreendo. Penso que o desafio fio filho aflora. Flora em quem gera o novo no lugar em que a palavra não espera, por isso voa. Agora eu, que sem maternagem posso, percebo o voo que a função impõe. Voe em teste o texto que se abre, pois em viver,a palavra some.
Some, somar só somos.
Tornar-se mãepai ensina-nos somente a ser mais pais(paz). Gerar é um lugar em que nos faz girar, girar, girar, e ir até onde rir há.
Um texto obrigado é pior que um teste que agradeçe. Parabéns pela estética escrita, em vida e em texto.

Clarice disse...

Nati, Natinina, natininininaaaaa, na cadência de seu choro de 3 marchas de bebê....Lembranças lindas. Emoções profundas que não se calam nunca e mais ainda agora, como um investimento cujos juros são incontáveis. Que mãe mais desnaturada que não olha, acompanha e escreve um comentário!!! mas, mesmo assim me alertando, sem cobranças - chega o tempo de te agredecer pelo por esse presente que você me dá. .. Que idade teria quando começei a te comprar todos os livros que quisesse. Para isso, não haveria de ter limites. E agora, me ensinas que até livro, tem limites. Poderia escrever, escrever muito das lembranças que tudo isso me traz, mas estaria roubando um espaço e atenção que mais que merecidamente são seus. Parabéns pelo blog e obrigada por me fazer avó do Benjamim de um jeito "que nem dá prá contá. Tanta emoção não sei ainda expressá... e esse blog há de se frutificá e um dia, por que não, um livro vai virá." Obrigada por me permitir tanto amar meu querido Benjamim, que já sabe tão bem se conectar e um dia há de se ler aqui.

Roberta Lippi disse...

Oi, Natália, vim aqui conhecer seu blog e não parei de ler, quando vi estava lá no comecinho. Seu texto é ótimo, seu blog é ótimo e seu filho é lindo!
Vou linkar lá no Projetinho de Vida pra te acompanhar, ok?
Beijos,
Roberta

Paloma Varón disse...

É incrível como a gente depois sente saudades destas coisinhas dos primeiros meses, né?
E, por falar nisso, parabéns pelo primeiro mês do blog.
Beijos

Anônimo disse...

Olá Natália,

Seus textos são deliciosos. De uma delicadeza e sensibilidade que não nos permitem parar de ler.
Continue...
Passarei por aqui sempre.
(Ah! Seu filhote é lindo!)

bjo,
com carinho,
Fabi (faby.rod@bol.com.br)

Carol disse...

Pessoas invisíveis.
Parabéns pelo mesversário!

Patricia disse...

Natalia,
Não vale. Entrei aqui para retribuir a visita, li um post, li dois, li quase todos. E o prazo processual aqui do meu lado, esperando para ser concluído. Virei fã. E volto. Com calma.

beijos e muito prazer!

Adrianita disse...

Adorei o texto...e eles nem sabiam que estava te fazendo companhia!
Clarisse...que relato lindo de mãe e avó!

beijo pras duas e pro gato Benjamin claro!
Adriana

Adrianita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Adrianita disse...

estavam...

Laura disse...

Olá Natalia,

Acabei de conhecer seu blog e ADOREI esse post!!! Nas madrugadas enquanto eu embalava a Clara eu tb me sentia sozinha pensando que eu era a única mãe da região rsrsrsrsrs

PARABENS pelo blog

e aqui entre nós... ser mãe é a maior dádiva da vida !!

Visite meus blogs
www.mundo-de-clara.blogspot.com
www.laranjeiraskids.blogspot.com

bj

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