quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A sogra

Se uma despedida tem tristeza como tonalidade possível, em se tratando de ir ou sair de Cuba essa tristeza se multiplica por si vezes e vezes. Eu sempre tento esconder bem escondida a grande dúvida, mas ela salta dos lugares mais inesperados, se insistindo nos transeuntes, no vidro do carro, nas chamadas do aeroporto: será que algum dia nos voltamos a ver?

A minha primeira despedida cubana foi assim, mas ali a dúvida pendia mais pra certeza de que nunca mais. Eu e Demis saímos andando para direções opostas na Paseo com 23, esquina em que nos abraçamos pelo que supúnhamos ser a última vez. E que não foi, vide esse mesmíssimo blog, rebento do rebento. Mas então não sabíamos disso, e seguimos cada um na sua direção, sem olhar pra trás pra saber se o outro também tinha lágrimas nos olhos.

E muito tempo e tanta palavra e instante e decisão se passou, e eis que hoje me vi voltando mais uma vez do aeroporto para trânsitos cubanos. Dessa vez, Eva, mãe do Demis, voltando pra Cuba de uma estada aqui em casa de cinco meses. Sua primeira vez fora de seu país.

Cinco meses. Benjamin tem quase seis. Sim, ela chegou quando ele tinha um mês e quatro dias. No meio daquele turbilhão que significa a chegada de uma pessoa ao mundo. Bem quando eu me procurava nos meus gestos como a Natalia-mãe que ainda estava descobrindo. Justo quando não saber era dolorido e vergonhoso e me chamava desde o meu mais íntimo. E então, no começo, a sua presença aqui me foi absurdamente difícil.

Foi necessário paciência e muito boa vontade de todos dessa casa. E no começo Eva tampouco se achava – era visível no olhar marejado que pedia licença o tempo todo. Mas ela foi se habituando aos cantos e achando as brechas que os dias lhe davam, e conhecendo os caminhos e os limites, e tudo foi se ajeitando. Enquanto ela se tornava a maior leitora da casa (ela, que tinha lido pouquíssimos livros antes de sua chegada), a maior andarilha (ela, que passava semanas a fio sem descer as escadas de sua casa em Havana) e a maior cinéfila (ela, que havia dez anos não ia ao cinema), ajudou aqui em casa como eu nem sabia ser possível. Muito leite do Benjamin veio da comida que ela cozinhou. Muita daquela paz de se ver a casa arrumada veio da mania dela de pôr tudo em ordem. Muito do que pude fazer – voltar a trabalhar, tomar banho tranqüila, cortar o cabelo... – veio do que me possibilitou sua presença.

Claro, houve horas terríveis, de querer espaço, de querer silêncio, de querer solidão. Horas de sentir que o limite já tinha passado. Horas de brigar, horas de chorar. Horas de querer ficar sozinha com Benjamin. Horas de querer ficar com Demis e Benjamin. Nós três. Mas eu sabia que as despedidas cubanas levam às últimas conseqüências o não sermos senhores das nossas vidas. E sabia que quando ela fosse embora a gente não poderia dizer quando ela e seu filho se encontrariam de novo. Ou se quando ela e seu neto se encontrassem, ele já estaria falando ou correndo.

E hoje foi o dia em que ela voltou pra sua ilha. E quando nos percebi indo em direção ao carro, Benjamin, Demis e eu, chorei uma tristeza muito triste e aliviada. Muito agradecida também. E feliz. Assim, bem misturado, incoerente, vivo.

Sua ausência ainda grita por aqui. A janela estranha a falta do seu olhar, e o colchão se esburacou a pedido de seus dias. Mas o silêncio tem trezentas camadas, e eu as escuto uma a uma. Escute:

18 comentários:

Gabi disse...

feliz que vc teha escrito esse post...
fiquei meio "aliviada", nao sei se essa e bem a palavra.

Vou sentir saudades da Eva.

saudades dos 3

adorei o post da holanda, ja tinha dito em outro lugar, digo de novo aqui

beijao
ga

Carol Garcia disse...

lindo o texto.
puro.
cheio de vida.
adorei.

bjocas

Marina disse...

=)

Lucy disse...

Lindo, Ná! Chorei junto com vocês...

Carol disse...

ai, chorei.
li os textos da sua viagem e já estava comovida, agora to mucho.

despedidas, né. uma constante na minha vida.

um beijao!

Anne disse...

Você me faz marejar os olhos to-da vez! Por que é isso mesmo, incoerente! Minha Eva foi minha própria mãe, e sinto em mim o agradecimento e o alívio de estar e não estar perto o tempo todo. É muito louco, a maternidade deixa a gente pinél. E é tão lindo!
Boa sorte para vcs e Eva!
bjos
Anne
mammisuperduper.blogspot.com

Martha disse...

Oi... Brigadinho pelas viistas.. estou retribuindo.. e çembrei que já "estive" por aki.. mas ñ consigi ver seus posts.. ^n sei o q acontece!
Vou tentar de casa..
Bjks

Ah.. brigadinho pelas palavras lah no pequena...

Ferna disse...

Tô chorona hoje e lendo esse texto tão verdadeiro, chorei contigo.
beijos flor

Dmis disse...

de Eva, veio o mundo nessa versão fantástica da vida... desta vez, sem tanta essa dualidade (triste=alegre) da partida, agradeço a ela todo e TODO... a ela, a felicidade também a espereva de outro lado do mar, ilha á deriva... GRACIAS... ;)

Kah disse...

O texto é lindo, super emocionante, amei! Você conseguiu mostrar as duas faces da moeda sem perder o rebolado.

[Mas TODA santa e religiosa vez que vim comentar, sai daqui quieta porque não conseguia pensar em outra coisa senão "ela sente saudade da sogra!!".
Preconceito meu com as sogras desse Brasil, um erro.]
Beijão!

Ilana disse...

Oi Natália!
Você tem razão, nos conhecemos sim! Acho que é da cip mesmo... se não for, é de algum outro lugar meio distante no tempo. Meu sobrenome de solteira é Setton. Depois acrescentei o Bachman do meu marido.
Adorei seu blog e seu jeito de escrever. Lindo!
Essa blogosfera é meio estranha mesmo... dá vontade de falar "há quanto tempo, o que vc tem feito?" e tal.
Vou dar sempre uma passadinha aqui pra saber de vocês.
Beijos,
Ilana

Carol disse...

Adorei esse post. Adorei a história... tudo lindo. Só tenho a desejar luz.

Dani, a Mãe da Flor disse...

Oi Natália...
Muito lindo e comovente este post...
A relação entre nora e sogra é uma coisa bem difícil....
Entendo bem o que a Kah quis dizer aí em cima... saudade de sogra é meio estranho de ter...
Minha sogra é muito boa para minha filha e meu marido, não posso reclamar... mas a relação não é fácil, parece que sou sempre uma rival, uma intrusa na família... adoraria me sentir querida por ela... mas acho que isso nunca vai acontecer...
Um dia falo dela no blog e vc vai saber que é dela que falei!!
Amei o texto.
Bjs.
Dan.

Isadora Rubim disse...

Lindo o seu post. Na verdade adoro tudo que você escreve.
Um beijo

Fe Piovezani disse...

Oi Na!!!
Então!! Esqueci de comentar que a primeira vez que fiz essa dieta eu amamentava também. Pode fazer viu !! Porque vocênão está deixando de comer nada, a não ser de noite e mesmo assim, a carne, as saladas, são super bem vindas!!! E quanto as frutas, não pode comer porque elas tem açucar....beijo...

Carol Passuello disse...

Oi Natália!
Vim conhecer seu blog e me deparo com isso!! Que texto, menina!
Também tô te seguindo.
Bjs

Mari Rocha disse...

Nati,
que bom que é encerrar algo sabendo que tudo foi feito da melhor forma possível. fique em paz.
beijo!

ligiaximenes disse...

Eita, coisa confusa esta dos primeiros dias! Pra além dessa incrível habilidade em combinar tantas palavras pra falar dessas coisas tão intensas, que doem e fazem rir e chorar, tudojuntomisturado, admiro esta generosidade do deixar viver. Lindo, lindo, lindo! Aplausos!!! Beijo da Ligia, mãe da Cora

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