domingo, 15 de agosto de 2010

Desfarrapando as desculpas

E por que, se tanta ânsia havia, a idéia do blog não saiu do papel pra tela? (O mais correto seria: a idéia de escrever não entrou no papel nem na tela?)

Tenho uma gama de desculpas prontas pra me responder. Primeira: a minha profissão, que pede no mínimo discrição. Desculpa inabalável, de tão boa eu poderia parar por aí e ninguém suspeitaria se tratar de um desvio. Psiquiatras não devem sair gritando aos quatro cantos seus dilemas, seus minutos, seus avessos. Mas decidi me esconder (mais ou menos como as emas se escondem) atrás de um nome sem sobrenome. Pronto.

A outra desculpa que me perseguia e ainda ronda por aqui, vem de uma frase que li lá na Náusea, aquela mesma, do Sartre. “Ou se vive, ou se narra”. Algo do tipo. Me dá medo a possibilidade de misturar os dois e passar a viver para narrar, sabe? No instante mesmo em que, vamos dizer, o Benjamin está dando sua primeira virada no chão, eu lonjo dali pra qual seria a melhor frase pra descrever aquele exato momento. E lá se foi o momento. Em se tratando de filho, a preciosidade é muita pra correr o risco de deixar escapar. E se o registro escrito firma de um jeito, esquece de outro bem mais essencial. Mais ou menos como fotos de viagens (quando a gente ainda as revelava na volta): no começo, folhear o álbum era trazer a viagem mesma pra junto, mas com o tempo aquilo ia ficando sem graça porque faltava justamente a lacuna entre uma foto e outra. Até que a memória da viagem virava a memória das fotos. Taí o medo.

(Lembrei agora de uma viagem que fiz há alguns anos pra Argentina com a querida Lê, e perdemos a máquina fotográfica enquanto rumávamos mais para o sul. Passou que me vi diante do Glaciar Perito Moreno sem máquina pra fotografar, e não sabia muito bem como me portar diante daquilo sem a possibilidade de registrar, guardar pra depois, mesmo estando ali, bem na minha frente, o que eu queria ver. Era muito. E a fotografia emolduraria a memória num futuro, não é?)

Com filho, a vontade de fotografar, escrever, filmar, contar e afins talvez seja ainda maior por causa da certeza vertiginosa de que aquilo é único, incrível, preciosíssimo e fugaz, extremamente fugaz. Que mãe ou pai nunca ouviu aquele: aproveita que passa rápido!?
(E então a ambigüidade de desejar ver Benjamin falando, andando, perguntando –: crescendo, junto com desejar que ele seja sempre esse bebê que mama no peito e cabe no colo).

Ufa. Parece que agora, comecei.

7 comentários:

Anônimo disse...

Que bom que começou! Tava demorando para aproveitar mais esse dom...
Parabéns pela coragem! Beijinhos

Anônimo disse...

Que bom que começou! Tava demorando para aproveitar mais esse dom...
Parabéns pela coragem! Beijinhos

Mari Rocha disse...

Nati,
também passei por um processo pra começar a escrever o meu. de vez em quando ainda encontro algumas resistências internas pra fazer coisas que as mães blogueiras fazem sem pestanejar, como postar filmes e fotos. mas é assim. nos tornamos mães e muita coisa muda na gente, pra começar dessa vontade de pensar, dividir experiências e ler sobre a maternidade, sobre bebês e sobre tudo que lhes diga respeito. Aos poucos, você, como eu, e como muitas, vai se surpreender com a importância que esse mundo de relações virtuais adquire em nossas vidas. Já não escrevemos apenas para nós mesmas e para nossos filhos, mas escrevemos para outras mães, para desconhecidos. É mesmo muito louco... No mais, fique tranquila que surgirão os momentos para escrever sem que você arrisque perder as coisas acontecendo. E escrever sobre elas é uma forma de registrar nossa perspectiva presente... ainda que fazendo isso corramos o risco de cristalizar momentos em prejuízo de uma perspectiva futura, acho que escrever sobre o presente é vivê-lo de uma forma mais intensa. É não deixar passar batido. Concordo sobre as fotos... tem gente que não olha para o Perito Moreno a não ser pelas lentes da máquina, e dessa forma não deixa que aquela montanha enorme de gelo fique registrada dentro dela, no coração, na mente, na pele. Mas isso é coisa que a escrita não permite. É preciso, é inevitável que se mergulhe nas coisas para se poder escrever de verdade sobre elas. Não dá pra ligar no modo automático. A escrita é só no modo manual, como, aliás, pode também ser uma fotografia, daquelas tiradas com arte, com sentimento. Tudo depende muito da pessoa por trás da máquina (fotográfica ou do computador...).Enfim, não se preocupe com a Náusea. (que não li, mas que me conste foi escrita por um sujeito que escreveu muito, e viveu muito também...).
Beijos e bom divertimento!
Ah! já descobri uns truques sob blogs, viu? qualquer coisa me pergunta!
Mari

Lulu disse...

tem uma cena que me contaram de um filme que eu nao vi e nao sei o nome, mas que eu gosto de lembrar como se eu tivesse visto. um pai e um menino seu filho sobem uma montanha. lá em cima descobrem que esqueceram a máquina fotográfica. O menino pergunta ao pai "e agora?". O pai responde: "agora vc vai ter que guardar na memória", "por quanto tempo, pai?", "pra sempre...", "pra sempre é muito tempo!", "é, filho, é muito tempo..."

Anônimo disse...

eu escrevi, vc desenhou... ou vice versa. ou algo do genero. isso tornou aquele momento memorável. que viagem, né naná?
lerei os textos com calma...
beijos em ti.
adorei poder te ler por aqui.

Val disse...

Vc conseguiu traduzir o que eu senti, por vezes, em relação ao blog. Às vezes me pego vendo a cena e fazendo postagens mentais. E quando isso acontece, deixo o blog um pouco de lado, pra não me tornar refém dele.
Belo texto.
Tô aqui lendo...

Dani, a Mãe da Flor disse...

Que belo começo!!
Bjs!!

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