domingo, 22 de agosto de 2010

A trilha sonora

Um dia qualquer da gravidez eu tava andando de carro com o Demis e escutando música e pensando na vida. Aliás, já me corrijo, porque dia qualquer não existe na gravidez. Mesmo quando é dia daqueles mais abarrotados, no meio da atividade mais rotineira ou automática ou sem graça vem aquela espécie de susto bom, ou então fica pairando de leve uma alegria nas esquinas das coisas. Então, num dos dias incríveis da gravidez eu tava de fato andando de carro com o Demis e escutando música, e pensando na vida e no gesto que acontecia debaixo do meu umbigo, e de repente me espantei com a conspiração do universo necessária para que existisse aquele exato momento. E me espantei em dobro com a conspiração do universo necessária para que existisse um ser se fazendo através de seu umbigo, bem ali debaixo do meu, naquele exato momento. E me espantei ao infinito pela existência daquele ser-que-se-fazia bem ali debaixo do meu umbigo, naquele exato momento, já ser tão única. Esse último espanto não sei se consigo mesmo descrever. Foi um assombro. Eu visualizava estudos, provas, férias e aviões, momentos aparentemente comuns e no entanto decisivos, despedidas que se pensavam eternas e se equivocavam, óvulo e espermatozóides, e tantas outras coisas e fatores que apontavam, parecia, todos para a minha barriga. E para aquela criatura que já era AQUELA. Não sei se dá pra entender o significado dessas maiúsculas.

Aquilo foi uma condensação mágica de todo o milagre disperso no tempo em um instante apenas. Instante que reveste cada olhar pro Benjamin.


***

E falando em música, lembrei que foi através de uma que desconfiei pela primeira vez que pudesse estar grávida. Era uma noite de domingo, um domingo estranho (Corinthians tinha perdido – aquele dia que o Ronaldo quebrou o braço, sabem, corinthianos?, eu tinha perdido meu celular no meio da rua e havia ainda algo outro de incompreensível no ar), e chegando em casa o Demis me mostrou que tinha baixado uma música, Guaranteed do Eddie Vedder, aquela daquele filme terrivelmente lindo. E a música me tocou de uma forma que eu soluçava sem conseguir pensar em parar, me sentindo tocada ainda mais com o seguir da música e com meu próprio choro, e eu chorava sem entender nada e entendendo tudo, e olhava pro Demis e chorava mais e mais, e aí veio o “epa, algo diferente está acontecendo comigo”. Estava.


***

Ao longo de toda a gravidez as músicas me deixaram à flor da pele (ou a gravidez me deixou à flor da pele pras músicas). Outra que fez presença e foi uma surpresa foi Peace train do Cat Stevens. Nunca tinha me ligado nela e fazia tempo que o Cat andava esquecido, e não sei se porque o Benja chutava bastante quando ela tocava, eu passei a gostar tanto e escutar tanto e me emocionar tanto e perceber que isso também se devia àquela música ser um anúncio de paz.

***

E teve um dia de arrumação de CDs aqui em casa, a barriga já saliente. Eles ficavam no quarto que agora teria novo dono e teriam que se mudar prum lugar inventado na sala. Lá ficaram eu e minha pança acomodados como possível no chão, arrumando/escutando músicas esquecidas de épocas várias horas e horas a fio (tirando as interrupções do xixi). Assim foi que Benjamin conheceu minha história na versão musical, história que convergia, naquele momento, pra ele mesmo. Que respondia com chutes e cotoveladinhas e silêncios.
Ao som de Cat Stevens


2 comentários:

Mari Rocha disse...

Nati, estou adorando ler os seus relatos sobre a gravidez... toda a intensidade do momento pode ser apreendida nas suas palavras. Dá uma saudade desses chutes na barriga, não dá?
beijo!

Dmis disse...

tem tantas coisas que tambem vou saber aqui... GRACIAS!!!

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